O perdido estrumário maravilhoso

O perdido estrumário maravilhoso

14 de abril de 1991 3:30 da tarde

À Milton

“ E então os olhos dos bichos,

São os olhos de quem ama,

E a natureza é isso,

Sem medo nem dó nem drama.”

Almir Sater

Em certo local, certa família colocava os estrumes de diferentes animais. Para eles era apenas e tão somente um depósito.

Mas para os sujeitos que pralí eram levados, preles não! Aquilo não era apenas e tão somente um depósito. Não, não! Ali era o Perdido Estrumário Maravilhoso! Cês não sabem, mas todos os estrumes, cocos, estercos, merdas e bostas da Terra sonham com lugares assim.

Bem, nesse que veremos agora, apenas eram depositados estrumes de 4 tipos de animais. Apresentar-lhes-ei os tais.

O Estrume de Galinhas Úteis/Interesseiras e Tratados Tão Intensamente, também chamado de ESGUITTI

A Bosta do Boi da Cara Interessante e Graciosa (este, diga-se, era o único estrume metido a músico, por isso mesmo decidiram trocar o CA por K).

O terceiro que aqui é recolhido, é o Cocô dos Porcos que Tentam Contatos Além Mundos. Como ninguém iria realmente perder tempo à pronunciar tal bárbaro nome, apelidaram-no de COPOTECÁN.

O último é ESTÉCA, o Estrume de Especiais Cabritas.

Bem, aqui é o Paraíso dos estrumes, mas não é, de forma alguma, diferente dos outros paraísos, sejam eles de seres vivos, seres não vivos, ou sei-la-o-que-+. Vejamos porque.

-Ah, ah ah! Aí vem + um carregamento de ‘feijõezinhos”. Que ridículo!

- Quequéisso, COPOTECÁN!? Pra que perseguir ESTÉCA?

- Ah, Don ESGUITTI, é que é ridículo mesmo. Veja, não parecem ‘feijõezinhos’?

ESGUITTI ri, pois é verdade.

- Sim, sim! Ao invés de ficarem aí jogando cocô fora, porque não vamos logo ao sorteio?

- Calma, Sr B B KING! Porque não canta um blú para nós, hein?

- É (exclama ESTÉCA, que acabara de sentar-se à mesa da reunião), cante!

- Bom, é que...sabem...tô meio...

- Que nada, exclamam todos, canta!

- É, toca! completa COPOTECÁN.

B B KING canta ( e toca) a música preferida de todos: “Alfaces verdinhas e tomates vermelhinhos”. Mas não toca em violão de cordas de crinas de cavalo. Ah, não! Isso seria (já que estamos no paraíso) um sacrilégio! As cordas dos instrumentos são feitas de fios do rabo de bois e vacas, Bem apropriado, não?

B B KING canta a melodia, que é um hino entre as bostas todas. Fala a música de canteiros inteiros repletos de lindas, verdes e suculentas alfaces! Alfaces adubadas com restos do mundo! Com dejetos do mundo! Tomateiros de enormes folhas e com cachos e cachos de fabulosos tomates vermelhos! E tudo em nome (e por graça) de algum cocô do Perdido Estrumário Maravilhoso.

E todos ali sentem-se muito alegres e felizes, pois são a continuação da vida (ou uma das continuações). Mas está claro que como em muitos (todos?) os lugares, aqui também mora a ambição, movida pelo sentimento de manter-se acima, procurando com isso, proteção contra o mundo cruel. E não pensar que trate-se de humano sentimento, pois ao que se saiba, personalidades e características não somem aos poucos pelo vaso do banheiro. Esse sentimento, que erradamente pensamos (essa é a desgraça) ser apenas humano, é algo incrustado no Universo. É uma lei!

E o que ocorre aqui? Simples: ESTÉCA é desprezado, pois seu estrume não tem a competência de um B B KING. COPOTECÁN tem muita força, mas como é muito fedorento, perde ponto pros outros. Ultimamente, devido à facilidade de ser espalhado no solo, por estar misturado à serragem, ESGUITTI tem a preferência na adubação.

Então ocorre uma aliança para o tal “sorteio”. O sorteio serve para escolher quem vai pra horta, ou lavoura. Na maior parte das vezes, ganha ESGUITTI, ou B B KING. De quando em vez, COPOTECÁN. ESTÉCA nunca ganhou, mas os ‘feijõezinhos’ continuam participando. Porque? Quem sabe? Vida eterna? Mas é claro! Perguntem aos estrumes do Perdido Estrumário Maravilhoso.

César Piscis
Enviado por César Piscis em 04/04/2009
Código do texto: T1521710
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