A Mansão dos Suicidas

- Volta aqui, sua vagabunda, você não vai escapar!

Ouviram-se passos apressados e uma respiração ofegante.

Lorraine corria apavorada, através dos becos úmidos e mal iluminados. Pisava em poças de água negra, com sua bota de couro comprida. Seu longo vestido branco rastejava pelo chão sujo e esburacado. Alguém a seguia aos berros. Estalava o ruído de correntes atiradas em grades.

O lugar era um verdadeiro labirinto de vielas. Cercas de arames e grades enferrujadas, iluminadas pela escassa luz das lamparinas nos postes desgastados. A imensidão era deserta. As janelas dos prédios estavam lacradas com madeiras, tábuas apodrecidas e jornais antigos. Alguns gatos ossudos se aninhavam próximos à lata de lixo derrubada, onde famintos buscavam a refeição da noite.

Lorraine se jogou atrás de uma das latas, de onde saíram gatos agitados. A jovem sentou-se encolhida, tampando a própria boca para que não pudesse gritar. Fechou os olhos e manteve-se escondida, com os cabelos lhe cobrindo a face.

O barulho de passos continuou e uma forte pancada na lata ao lado fez Lorraine saltar.

- Eu não vou deixar você fugir, piranha. E quando acabar vou te matar.

Ela continuou quieta. Tremendo e chorando no chão.

Um homem alto e mascarado apareceu na frente dela. Ele tirou a máscara negra; a parte mais iluminada da rua era seu rosto molhado, com um olhar maligno e desumano. Andando na direção dela, ele começou a tirar o cinto da calça e a abrir o zíper desta. A jovem fechou os olhos com força e sentiu seu corpo esfriar. Tudo estava congelando ao redor e um sereno tranqüilo e calmo caiu sobre seu corpo. Ouve um grito de dor, rajadas fortes e um baque de estremecer as latas de lixo. Lorraine se levantou e caminhou até onde o homem estava caído, morto e sem a cabeça no lugar. Tropeçou em seu corpo e levou as mãos à boca, chorando aterrorizada.

- Você está bem?

Foi a voz mais tenebrosa que já ouvira em toda sua vida. Uma voz feia, negra e que lhe lembrava tudo de ruim que pudesse lembrar. Sentiu medo, mas no fundo estava agradecida. Como podia se sentir bem com um homem morto ali no chão? Mas essa era a verdade, estava feliz que aquele infeliz estivesse degolado. Sentiu prazer ao ouvi-lo gritar. Deus, por que estava pensando isso? Aquela voz, aquele homem, algo de errado estava acontecendo.

- Sabe como voltar?

Ela continuou quieta. Tudo estava tão escuro. Quem era aquela voz, cuja presença não podia sentir?

- Obrigada. – foi tudo o que conseguiu dizer e tentou parecer simpática com o estranho.

- É melhor sair do caminho das sombras.

- Você pode me mostrar?

- Claro. Venha comigo.

- Desculpe, eu...

- Não enxerga? Tudo bem, eu posso lhe guiar. – ela sentiu ele lhe dar o braço.

O homem tinha cabelos compridos e usava um longo casaco negro. Nas mãos, luvas rasgadas e seu rosto era tão branco que parecia brilhar. Lorraine passou a mão em seu rosto, tentando lhe conhecer melhor e parecia se assustar.

- Essas cicatrizes no seu rosto... O que houve?

- São apenas um reflexo do que está no coração.

- Pois então conte-me, talvez eu possa te ajudar.

- Há verdades que precisam ser enterradas vivas ou podem ressucitar.

- Foi alguma coisa terrível, não foi? Sinto pelo seu tom de voz que você sofre ao lembrar.

- Sente... Que bom quem ainda vê. Eu, apesar de ter olhos, não consigo enxergar.

- Então me guie pela sombra, que eu lhe faço companhia...

- Você é corajosa, jovem. Está depositando sua vida em minhas mãos.

- Eu não sei ao certo o que fazer. Estou presa nesse lugar.

- Posso te levar até a saída, mas de lá não poderei passar.

- Como não? Se a luz brilha melhor lá fora?

- Meus olhos enxergam tanto a luz, quanto os seus enxergam a escuridão.

Lorraine ficou em silêncio por um instante. O homem desviou seu olhar.

- Me mostre quem você é. Porque está neste lugar. – sussurrou ela.

Ele a olhou com firmeza e lhe deu a mão. Juntos caminharam pelos becos sem saída. Ouviram lamúrias no horizonte e gatos famintos a gritar.

- Esse lugar é o pesadelo. Onde as almas não podem descansar.

- E como eu vim parar aqui?

- Você sabe por quê. Faça um pequeno esforço e vai se lembrar.

Aos poucos tudo fazia sentido pra ela e a escuridão parecia clarear.

- E você... por quê?...

- Lorraine era o nome dela. É o motivo de eu aqui estar. Aqui não, na mansão.

- Desculpe?

- Não é aqui onde devo ficar. Aqui é apenas o pesadelo, onde nós ainda estamos planejando abandonar a vida. É a ponte de entrada para onde eu estou vivendo.

- Onde você reside, então?

- Na mansão dos suicidas, só os mortos entram lá.

Ele a abraçou. Ela retribuiu.

- E você? Por quê está fazendo isso? – perguntou ele.

- Eu o amo demais... – ela chorava em seus braços.

- Escute, minha jovem. Você é bela e iluminada, tem toda a vida pela frente. Escute o que eu digo, não vale a pena, você vai se arrepender quando chegar lá.

- Eu ainda estou viva?

- Você está a um passo de entrar. – ele apontou uma enorme casa abandonada mais à frente.

- A mansão dos suicidas... – ela fechou os olhos, não podia enxergar.

- Falta pouco, peço que pense bem antes de fazer o que pensa. Nenhum rapaz vale isso tudo. Volte para luz e continue a brilhar.

- Eu estou tão perdida.

- Todos nós estamos. E eu vim aqui só pra te salvar.

Ele a soltou.

- Eu não posso ficar aqui, preciso urgentemente voltar.

- Por favor, fique comigo...

- Me desculpe, moça. Lembre-se do que eu lhe falei, não vale a pena.

E Então o rapaz saiu apressado na direção da mansão. As portas rangeram e ele desapareceu no escuro.

Uma escada de ferro surgiu no chão e Lorraine desceu por ela, adentrando a escuridão sob a terra.

Ela sentiu um forte empurrão e algo escapuliu de sua mão.

- Pelo amor de Deus, Lorraine! – uma voz histérica invadiu seus ouvidos. – O que estava fazendo com esse revólver? - Oh, meu Deus, você ia se matar. – sua mãe a abraçou, desesperada, chorando sem parar.

- Ele me salvou, mãe...

- Sim, Deus lhe salvou, filha. Graças a Deus eu pude chegar. – sua mãe a abraçava com força.

- Ele me salvou...

O amor que Lorraine sentia morreu. A angústia em seu coração desapareceu. Estava livre outra vez para sorrir, viver e amar.

Na mansão dos suicidas, enquanto assistia a uma apresentação melancólica de piano, Thales sentia o coração afundar. Aquela jovem perdida era tão parecida com sua Lorraine, que se a tivesse conhecido antes, não teria tentado se matar. Teria coragem de viver a vida. E pela eternidade não iria sangrar.

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 15/06/2009
Código do texto: T1650772
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