Dias sobrepostos

_ Hei! Você, um momento!

Flávio escutou nitidamente alguém gritar, mas estava em meio a uma multidão de pessoas caminhando na rua e não cria que fosse com ele até que ouviu novamente alguém chamá-lo de uma outra forma.

_Você aí com a mochila azul da Adidas!

Ora, Flávio estava segurando uma mochila azul da Adidas por sobre o ombro esquerdo e finalmente se virou tentando ao mesmo tempo desviar da multidão de pessoas que vinham em sua direção e tentar verificar quem o estava chamando com tanta insistência.

Eram muitas pessoas andando na mesma calçada e quando ele parou e virou-se, obviamente se tornou um obstáculo para todos os outros que se movimentavam de encontro a si. A voz que o chamava parou e ele aguardou mais um minuto para ver se a pessoa que chamava estava, na verdade, chamando outro e não ele. Porém nada aconteceu, a voz se calou e não houve outro chamado.

_Estranho._ disse Flávio baixinho, voltando a andar no fluxo da multidão.

Além de a pessoa que o chamava ter falado sobre a sua mochila recém comprada, o que não significava nada, afinal muitas pessoas têm mochilas azuis da Adidas; outra coisa o tinha chamado a atenção no fato. Flávio podia jurar que conhecia a voz, era alguém conhecido, uma voz familiar.

Ele parou novamente e virou-se, olhou em todas as direções e não viu ninguém.

_Deve ter sido uma sensação, apenas._ falou novamente consigo mesmo.

Quando se anda nas ruas movimentadas do centro do Rio de Janeiro, principalmente na Avenida Rio Branco, onde ele estava, que é uma das mais movimentadas do lugar é certo que ouviremos muitas e muitas coisas dentre vozes, ruídos do trânsito, barulhos diversos produzidos por instrumentos com o fim de chamar a atenção dos transeuntes. Flávio pensou que sua mente preocupada apenas tinha lhe pregado uma peça; certamente tinha ouvido alguém gritar qualquer coisa e imaginou que estivessem o chamando.

Além do grande número de pessoas andando para todas as direções, também estavam nas calçadas um número considerável de vendedores ambulantes e promotores de vendas de lojas como Leader Magazine, Americanas, Riachuelo e mais algumas daquelas meninas que tentam empurrar cartões de crédito a todo custo, de diversos bancos, para quem quer que passe em sua frente.

Era um turbilhão de sons e vozes; logicamente era bem possível que não tivesse ouvido ninguém chamá-lo ou sua mente tinha distorcido uma voz qualquer no meio da multidão para se parecer com uma voz conhecida. Quem nunca teve a sensação de ouvir alguém conhecido chamar e na verdade não era ninguém?

Flávio estava naquele lugar por um simples motivo, havia ido até a uma agência de empregos para se candidatar a uma vaga. Passou pela primeira fase, fazendo pequenas provas de conhecimentos gerais, português, matemática e uma entrevista particular com um examinador. No fim recebeu a notícia de que deveria voltar no dia seguinte para a realização de uma dinâmica de grupo juntamente com outros selecionados para a vaga.

Enquanto ele voltava caminhando até o local onde tomaria o ônibus e ainda pensando um pouco sobre o acontecimento; lembrou também de um outro fato que o chamou a atenção ainda dentro da agência de empregos.

Assim que ele tinha terminado de fazer todas as etapas da primeira fase do processo de seleção, estava caminhando para o elevador, visto que a agência fica no oitavo andar de um edifício na esquina da Avenida Rio Branco com rua Teófilo Otoni, Flávio caminhava concentrado em seu telefone celular; ele discava os números de casa para informar que já tinha terminado o processo e voltaria logo. Ele estava tão compenetrado, com a cabeça parcialmente baixa e os olhos na pequena tela e no teclado numérico do aparelho que não viu alguém vindo em sua direção saído do elevador assim que a porta se abriu.

Houve um leve encontrão entre ele e o outro, mas Flávio se desculpou tão automaticamente que nem se deu ao trabalho de olhar para a outra pessoa que por sua vez não respondeu. Dentro do elevador ele ficou pensando em como é que aquela pessoa saiu do elevador e não o viu, parado em frente, claro, parte da culpa do esbarrão também era dele, mas o outro poderia ter desviado.

Enquanto andava na calçada ele ficou pensando no esbarrão e na voz que o chamou na rua, como se algo muito errado tivesse acontecido, não conseguia afastar a sensação de que devia ter olhado para a pessoa no corredor do elevador e procurado mais pelo que o chamou no meio da multidão.

No dia seguinte.

Ele estava um pouco nervoso, afinal era o dia de fazer a tal dinâmica de grupo, verificou o relógio e constatou a hora.

_ Estou chegando no mesmo horário em que sai ontem._Pensou.

Estava dentro do elevador e os números acima da porta se acendiam e apagava conforme os andares iam sendo ultrapassados. Por fim, o número oito acendeu e a cabine parou em sua escalada vertical; um barulho suave como o tocar de um pequeno sino de bronze se fez ouvir e as portas começaram a se abrir.

Assim que as portas se abriram Flavio saiu, mas havia alguém parado muito perto da saída e quase não conseguiu desviar; acabaram se trombando.

_ Desculpe_ disse o outro.

Flávio ia responder, mas não o fez, estava muito nervoso com a dinâmica de grupo, porém não deu mais do que dois passos na direção da agência e uma nova sensação estranha o atingiu com uma violência que ele nunca antes tinha sentido; era algo como um Déjà Vu, só que muito mais nítido.

Imediatamente ele se lembrou do encontrão naquele mesmo lugar ocorrido um dia antes, a hora também era a mesma e quando se voltou girando nos calcanhares para ver a pessoa em quem esbarrou, percebeu que ela já tinha entrado no elevador. Flávio viu somente um pedaço do que parecia ser uma mochila azul antes da porta se fechar por completo.

O jovem, tomado por uma curiosidade mórbida, voltou correndo, bateu contra a porta e apertou o botão na esperança de que ela se abrisse novamente, mas não aconteceu.

Então Flávio tentou o outro elevador ao lado do primeiro, apertou o botão e quase que instantaneamente a porta se abriu; entrou e quase não se contendo dentro de si, esperou enquanto os números acendiam e apagavam agora numa ordem decrescente.

Quando chegou no saguão do prédio, não viu ninguém carregando uma mochila azul além dele, mas correu até o lado de fora do prédio, estava novamente em meio ao turbilhão de pessoas. Olhou para um lado e não viu nada, em seguida olhou para outro lado e percebeu se movendo pouco mais na frente uma pessoa se desviando dos outros transeuntes, uma pessoa que carregava no ombro esquerdo uma mochila azul com a marca Adidas em branco.

_ Hei! Você, um momento!_ Quando percebeu já tinha gritado e começou a andar na direção do outro; estavam relativamente distantes e a multidão constituíam um obstáculo a mais, não permitiam a passagem tão facilmente, havia muita gente naquele ponto.

_Você aí com a mochila azul da Adidas!_Gritou novamente sem se dar conta do estranho episódio que estava protagonizando e muito menos sem se aperceber do insólito encontro que estava por a ter.

A única reação que teve foi a de se abaixar quando a pessoa que ele estava chamando se virou tentando ver por cima das cabeças da multidão. Flávio não sabia o que fazer, ficou paralisado sem entender como aquilo podia ser possível.

Correu abaixado para trás de um poste e lá ficou encarando o outro que procurava parado no meio da calçada. Era simplesmente impossível, pois o outro rapaz parado ao longe era o próprio Flávio, usava exatamente as mesmas roupas que ele usou um dia antes, segurava a mesma mochila e permanecia parado como ele mesmo tinha feito.

Suas pernas tremeram e Flávio ficou olhando fixamente para o seu outro eu; viu quando ele voltou a andar e depois parou novamente olhando para o lugar onde ele agora estava atrás do poste.

Não tinha nenhuma explicação plausível para aquele fato e ficou ali, parado, acompanhando com os olhos enquanto ele mesmo se afastava driblando a multidão rumo ao lugar onde tomaria o ônibus para casa exatamente como fizera um dia antes.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 25/06/2009
Reeditado em 01/04/2013
Código do texto: T1666807
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