O verde dos teus olhos

“Mas, neste espelho, no fundo desta fria luz marinha,

como dois baços peixes, nadam meus olhos à minha procura...”

(Cecília Meireles)

Sem planejar encontrei-me com você, o cenário foi à pequena Búzios. No ir e vir de caminhadas, nossos olhares se cruzavam nas calçadas de pedras, no centrinho da cidade.

Eu, naquele mundo de sonhos, ficava imaginando suas músicas tocando meus ouvidos, o som da tua voz mansa crescendo dentro de mim. O teu olhar me olhando, de longe, tão perto, que eu podia tocá-lo se a coragem permitisse.

Tentado achar um rumo para minha vida fui saindo de São Paulo sem destino. Parei em Búzios, onde consegui um trabalho de lavar carros. E naquele tarde de sol forte, quando terminava de enxugar um dos automóveis você apareceu...

O teu sorriso encontrou o meu, estendeu a mão me chamando, eu atendendo seu gesto segui os teus olhos brilhantes e maliciosos.

Estava num chalé simples, onde havia uma cama larga coberta por véus transparentes. Naquele espaço cheio de magia você disse: quero sentir o sabor dos teus lábios carnudos Menina dos colares.

Quando cheguei à Búzios conheci um pescador que me deu dois colores de conchas do mar, ele me falou que era para me dar sorte. Eu não os tirava do pescoço. Neste momento você revelou que sentiu atração por mim desde o primeiro momento em que me viu...

A menina dos colares você passou a me chamar. Um deles tinha um amuleto feito pelo próprio pescador. Que entendeu imediatamente a minha busca, quando lhe falei que meus olhos nadavam à minha procura.

Quando terminei de contar você abriu um enorme sorriso e respondeu: eu vou escrever uma música para você. Ao ouvi-la saberá é para ti.

Em seguida nos beijamos. No momento do beijo passaram tantas falas pela minha cabeça. Tive vontade de contar que assisti Budapest, que havia lido Leite Derramado. Foi quando minha voz lhe pediu: me beije de olhos abertos para que eu possa ver bem de perto o verde dos teus olhos.

E ele sorria, parava, me olhava, e sorria novamente. Aquele riso musical, safado, de desejo. Atrevido me mostrava os caminhos do seu corpo... E eu ia, hipnotizada. Tudo tão surreal. Eu, ali, abraçada a um dos maiores autores da música popular brasileira.

As pessoas te chamavam do lado de fora do chalé e você dizia: Deixa! Eu só quero você! E me beijava inteira, com toda a fome de homem maduro... E eu só queria admirar o verde dos teus olhos, sentir o gosto da tua boca, o cheiro da tua pele, e o gozo bom na imaginação. Presa em teus braços másculos eu fiquei por um tempo que os relógios não podiam marcar.

Eu pensei em contar sobre os meus escritos, mas o momento era tão bom, tão forte, tão mágico que eu nada consegui falar. E sabendo que tudo aquilo não era real, acordei excitada, e deixei o riso tomar conta de todo o meu ser. Afinal dormir acompanhada de Chico Buarque de Hollanda só podia ser mesmo um sonho.

Eu e Ele

Entre véus transparentes

Estiveram os nossos corpos quentes

Na cama desejos esparramados

Olhares num mundo de delícias

Vindo e indo, em fantasia...

Cássia Nascimento
Enviado por Cássia Nascimento em 27/07/2009
Reeditado em 28/07/2009
Código do texto: T1721582