“UMA POMBA em MINHA VIDA” (Parte 2)

(VI)

A visão de um goleiro que toma um “frangaço”: no meio das pernas...

A pedra saindo de perto dos olhos, batendo no galho no meio das pernas da pomba, deixando-o lascado como prova de mira quase-boa.

Semanas depois ainda recordava dos detalhes daquele instante, havia sido humilhado pela pomba – concluíra - , depois das intermináveis sessões repreensivas dos parceiros “mais” (velhos) experientes:

- Ah! Se fosse eu, a “bicha” estava no papo...

- E eu, então, naquela distância a teria abatido com a forquilha do estilingue...

Resolvi me vingar daquela maldita!.

Planejei em silêncio uma tática infalível: primeiro iria treinar a pontaria até conseguir “acertar” uma mamona dentro da ponta oca, do cano de cima do cavalete de água da empresa de saneamento (façanha atribuída – sem prova de veracidade – a um fulano de tal, tido como o “melhor atirador da região”), depois iria, sozinho, espreitar “aquela” pomba para exibi-la, como troféu, aos gozadores companheiros.

Solitárias foram as horas vagas, de intensivos treinos, pedras, mamonas, goiabas, bolinhas de rolimãs, e tudo o mais que de redondo aparecesse, foram lançados contra os mais variados e impensáveis alvos.

Depois de quase meio metro, ao menos, de alargamento do riozinho, de tantas pedras retiradas e lançadas para uma de suas bandas, minha pontaria estava bem “afiada”.

Já conseguia acertar em cheio, e repetidamente, as lâmpadas dos postes de iluminação mais altos da cidade.

Faltava, porém, calibrar a força, porque as lâmpadas continuavam intactas depois de insistentemente apedrejadas.

Situação contornada pela substituição da munição: “burcas”, mais conhecidas como “bolinhas de gude”, eram redondas, pesadas e... caras...

Não me havia pertencido o tempo dos jogos de bolinhas de gude, então tive que interromper minha estratégica de vingança, para estimular a molecada a (re)aprender a jogar e fazer um campeonato de bolinhas...

Depois de muito perder, aprendi e ganhei uma semifinal, arrebanhando mais de quinhentas bolinhas...

O final do campeonato... lhes conto depois. Após consumar a urdida vingança...

(VII)

Coloridas, algumas muito lindas, feitas ao acaso da solidificação do vidro, as bolinhas de gude eram a munição ideal, mas diferentes das com que estava acostumado, exigindo prévio treinamento...

Depois de escurecer algumas ruas mais afastadas, alvejando em série as lâmpadas dos postes mais altos, depois as dos médios e por fim, as dos mais baixos e, por arremate, a pequena vidraça do sobreteto da escola bem distante da vista, me dei por preparado para executar a segunda etapa da vendetta.

O sábado foi estrategicamente escolhido, pois oferecia o domingo inteiro para me vangloriar, exibindo o troféu de bom caçador, revidando as chacotas recebidas e merecer o reconhecimento orgulhoso dos companheiros...

O final da tarde seria melhor, depois que os companheiros desistissem da caçada...

Porém, em tal horário não teria “certeza” de que encontraria “aquela” pomba humilhante, a vingança não seria completa se executada contra outra...

Então, aproveitando a glória de ter chegado até a semifinal do campeonato de bolinhas de gude, separei comigo as 11 melhores bolinhas de gude, as mais perfeitas e lindas, e todas as demais emprestei aos dois companheiros, no começo da tarde de sábado quando vieram me convidar à caçada, estimulando-os que treinassem bem para, o melhor dos dois, me desafiar no dia seguinte, logo após a final do campeonato que eu iria ganhar “com certeza”, ficando o vencedor final com o total das bolinhas.

Entretidos com tanta voluntariedade minha, os companheiros esqueceram a caçada, deixando-me livre para, solitariamente, finalizar o intento vingativo.

(VIII)

A fuga das pombas assustadas à minha chegada, interpretei como sinal de respeito, de medo, como reconhecendo que, agora e ali, se encontrava o “melhor atirador” da praça; ou melhor, da região; mais, de todo o velho oeste, talvez...

Deitado de costas sob a mesma sombra, aguardei pacientemente o “retorno daquela” pomba, aquele mesmo galho, aonde a marca da fatídica pedrada ainda era visível, apesar da seiva que lhe cobria boa porção da lateral inferior esquerda da ferida...

Tantos eram os pensamentos que o tempo pareceu se encurtar, as chegadas e revoadas de pombas – ao menor dos movimentos, do lagarto... que voltou para me admirar -, pareciam bem mais frequentes que de costume...

Mas nada daquela pomba...

Tantas apareceram por ali, algumas até bem mais perto do que esperado, porém, nenhuma de tão belo porte, tão grande e vistosa como aquela “danada”.

Até em desistir cheguei a pensar...

Ela teria se amedrontado, estaria tremendo, temendo o embate, sabia que não se daria bem...

(IX)

Eram algumas das desculpas que estava lapidando em pensamento, quando...

ali, sobre minha cabeça, no mesmo galho, um pouco mais à esquerda da marca visível...

ainda mais vistosa que antes, um brilho roxeado saltava de seu peito arfante, tanto pulsava que eu podia ouvir seu coração, ela, ela mesma...

corajosamente desafiadora, não voou com as demais quando as bolinhas de gude caíram de minhas trêmulas mãos no meio das palhas.

Sem tirar os olhos da presa, apalpei o bolso esquerdo da camisa...

senti o coração (Ah!, sim, então era dele que eu notara a ofegância...) acelerado...

encontrei uma bolinha, a última...

notei que era a melhor e mais linda de todas...

num relance de olhos ao colocá-la no estilingue, com todo cuidado...

Concentração total...

estilingue estendido ao máximo...

apontei a mira, um pouco acima da altura do peito...

melhor na altura do bico, na cabeça, lado esquerdo, melhor no direito...

Pronto...

É agora... FOI!

E...

... a acertei em cheio, ela rodopiou e caiu a poucos metros de mim, que levantando rapidamente, a recolhi ensanguentada e a coloquei, inerte, dentro do bornal, fechando-o com as embiras.

Na ânsia de exibir o troféu aos amigos, rapidamente rumei de bicicleta para a cidade, e quando estava chegando em casa me lembrei que não havia recolhido as preciosas bolinhas que haviam caído do bolso.

Decidi retornar, porém não podia correr o risco de levar o troféu, e temendo que o PAI raiasse, pelo fato de não ter caçado para comer (não se come um troféu) decidi colocá-lo no “esconderijo secreto” e seguro, porque longe do faro e das garras do gato Teimoso, exímio caçador.

Escalando o tronco do cajueiro, e depois seu galho que se deitava sobre o telhado mais baixo da área dos fundos da enorme casa em que morávamos, pendurei o bornal num galho resistente, porém fino, que não pudesse ser escalado pelo esperto, mas ressabiado, Teimoso.

Retornei e recolhi as 10 bolinhas de gude que, caídas do bolso, se haviam espalhado por debaixo das palhas do piso.

Retornei, outra vez, para procurar a 11ª bolinha, aquela certeiramente atirada... as buscas foram em vão.

(X)

Já anoitecia quando cheguei, novamente, em casa...

Escalei o tronco do amigo cajueiro, quando olhei para o galho deitado...

Que susto! Quase caí no chão...

Não acredito, não é possível, uma tragédia!

Vou matar aquele gato, de hoje ele não me escapa...

Saí à procura do bichano, em volta da casa, em todos os cantos do enorme terreno, nos telhados de casa e do vizinho, no terreno do vizinho que tinha uma gata de raça linda e favorita do safado e, nada dele...

Já estava desistindo quando olhei para o sofá principal da sala de estar, aquele instintiva e respeitosamente reservado ao PAI...

E...

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.................................................................(continua... amanhã).

Lobo da Madrugada
Enviado por Lobo da Madrugada em 26/02/2010
Reeditado em 26/02/2010
Código do texto: T2108810
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