Aquela aldeia velhinha!

Era uma daquelas aldeias velhinhas cuja memória se perdia na poeira dos tempos.

Os seus habitantes não viviam. Existiam apenas. A sua vida limitava-se ao dia a dia. Trabalhavam de sol a sol para os senhores da terra que se intitulavam a si mesmos, nobreza rural.

Na aldeia, o dia mais importante era o Domingo. A missa. O pagamento da côngrua, os recados do senhor abade, a ameaça do inferno para os não cumpridores.

No adro da igreja, finda a cerimónia, consumada a absolvição dos pecados da semana que terminava, os senhores pagavam geira aos que trabalhavam feitos escravos, nas casas senhoriais. Com o chapéu velho, roto, nas mãos calosas, curvados, os ombros já cansados, iam agradecendo, olhar cabisbaixo, como quem recebe uma esmola, diziam muito obrigado, senhor...

O próximo dia seria igual aos outros. O próximo domingo, salvo raríssimas exceções igual aos demais.

A suposta fidalguia dos mais velhos foi acabando, dando lugar aos mais novos. O tempo foi passando, lentamente, mas caminhando sempre. O destino foi-se cumprindo.

""Os mais novos dignos? representantes, ilustres descendentes, dessa fidalguia acabada"."

Frequentaram lugares de luxo e depravação. Não se cultivaram. Paassavam pela vida não viviam.

Aprenderam os vícios e as virtudes, mais aqueles que estas.

Pouco a pouco, mas sem parar, as casas antigas, foram ficando abandonadas, ou vendidas, as terras por cultivar.

Os outrora servidores dedicados foram acabando pouco a pouco, Foram passando os dias os meses os anos. Foi-se

cumprindo a lei da vida. Os mais novos, olhavam para os que serviam, que vendiam barato o seu trabalho, com desdém, com desprezo. Com a arrogância da suposta grandeza passada, herdada mas não continuada, apareciam apenas nos dias de festa fazendo valer a fidalguia que perderam. Apareciam apenas para apanharem algumas migalhas da outrora abundância, que com cinismo e arrogãncia faziam por manter, como se o tempo tivesse parado.

Dos antigos senhores apenas a memória reletida no jazigo, ou nas cruzes enferrujadas já sem nome, no cemitério, daquela aldeia velhinha.

Quando cada vez mais espaçadamente apareciam os novos senhores, mais se notava o desprezo com que eram recebidos.

A lei da vida não perdoa. Pouco a pouco foram deixando de aparecer. Não viveram, andavam por aí, pensando que viviam.

Assim foi. Assim era a vida, nessas nossas aldeias velhinhas.

Infelizmente a vida se vai repetindo, na modernice daquelas aldeias velhinhas.

Quo Vadis
Enviado por Quo Vadis em 19/03/2010
Reeditado em 23/10/2023
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