O Transe

Pelas frestas da janela disputam respeitosos e simultâneos, raios de sol e uma suave brisa a ver quem chega primeiro a tocar-me a pele, descortina a mente fértil a imaginar o impossível!

Vozes em conflito que ao silêncio necessário escapam da impotência das portas fechadas.

A natureza, a penumbra, as barreiras tangíveis e intangíveis roubam-me do momento para o algo que nunca sabemos ao certo como definir, mas que faz com que cheguemos lá.

Pelas soleiras, pelas frestas, pela memória, foge detalhes corriqueiros e imperceptíveis à maioria, mas não para mim.

Eu troco o espreguiçar lento pelo paralisar da memória e dela sintetizo àquele instante, da mesma forma como um perfumista faria ao elaborar mais uma fragrância, fundindo-se aos aromas para expressar através dos cheiros o que lhe vai na imaginação.

O corpo lateja, vislumbro as silhuetas nuas, num tempo envolto de transparência diáfana, gemidos de prazer desprovidos de qualquer intenção.

Lembro dos momentos erotizantes, das sensações interpretadas pelos contornos de nossos corpos. Movimentos de cascata que vislumbram uma algo insustentável que pressente o êxtase.

Nossos olhos refletem a pura sedução, imagens da paixão são sugadas por digitais e tatuadas nos espaços ardentes e ansiosos de ti. Em teu corpo desenho a aquarela do desejo.

Como o caminhar parece distante, quando percebo meus pés intermediando as sensações liberadas de tuas mãos. Meus dedos em tua boca, tua boca a mergulhar-me desenvolta e resoluta, transmitindo com as mãos o que tantas vezes foi dito apenas com as palavras.

A malícia, algo que entranha-se, da mesma forma que teus toques a invadirem-me, tua respiração morrendo em mim em mais um beijo.Meu gemido sucumbindo em cada espasmo lancinante e retido com maestria.

É como se assim pudéssemos ser imortal nos braços de imortal.

Ah momento que da alma lateja, que meu corpo eriça e que a tudo em volta eletriza. Quase que percorro o inútil espaço até a porta e chamo-te de volta para reviver mais um vez o despropositado daquilo que condeno ao cárcere do indizível.

Paraliso pelo desejo, escuto tua voz do outro lado quase a despedir-se, o teu adeus mais uma vez surge surpreendente, uma voz que cala entrecortada. É como se pudesses imaginar que logo ali estaria eu, minha respiração, colo, anseios e a intenção de chamar-te.

Impede de abrirmos a porta, espantamos mais uma vez o destino. Na penumbra que enlouquece desejo que vás, percebo que não vale a pena relembrar ao corpo as sensações abandonadas. É a lembrança da última vez em que teu até breve fundiu-se a um inexplicável adeus que jamais se deu.

Uma nesga de azul se insere onde antes era raio de sol e brisa, e de novo a imaginação leva-me ao longe, é lá que encontro a certeza que me faz aceitar tantas vezes esse desaparecer num éter que começo a vislumbrar.

É inenarrável acordar com a sensação de que no longe estive, ainda que ele seja um amanhã, acordo do sonho e mergulho no sono profundo de existir.