O Sujeito do Espelho

Meia Noite!

Ouço o badalar do relógio.

Começo a contar as badaladas que parecem mais uma eternidade...um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze.

Neste instante a luz se apaga.

Dirijo-me ao espelho.

Vejo uma imagem nele refletida, mas não sou eu.

Fecho os olhos e abro novamente, torno a olhar para o espelho e a imagem continua lá, fitando-me.

Então sinto-me diferente.

Completamente destruído, sem a minha cor e as minhas formas originais.

Talvez agora eu tenha percebido que nasci da ruína de outro ser.

Então sinto que desde este instante passei a ver as coisas de uma maneira diferente.

Como realmente elas são.

Eu passei a minha vida toda iluminando as coisas para compreendê-las melhor, mas hoje fui iluminado pelo espelho para que me compreendesse melhor, a partir deste contato com ele.

Então inicia-se a minha epifania:

Um pássaro quando está nas alturas é mais bonito do que quando está preso em uma gaiola, pois o objetivo final dele é voar.

Ver o sujeito no espelho exigiu um certo empenho para compreendê-lo.

Nesse exercício de leitura deste sujeito acabei por compreender-me melhor.

O poeta olha as coisas de uma maneira diferente, pois consegue perceber nelas certas características que outras pessoas não conseguem notar, por mais que tente.

Passei então a ver as coisas de maneira poética.

Mais profunda...

Mais intensa....

E com grande vocação para a poesia.

E o imagem do espelho começou a conversar comigo. O espelho me diz:

- Olá meu nobre rapaz, o que fazes nesta madrugada, quando já deveria estar dormindo? Eu respondi:

- Estava admirando a imagem refletida no espelho. O espelho não muito contente com a respostas dada disse:

- Não fiques tão ansioso meu nobre rapaz, estou aqui com o objetivo de abrir-lhe os olhos e que você pense um pouco mais o que fizestes com algumas pessoas que passaram na sua vida. Eu respondi:

- O quê? O espelho disse:

- Pois é, meu nobre rapaz, lembra do pintinho que você afogou na banheira quando tinha quatro anos? Eu lembrei de imediato e disse:

- Lembro sim, mas era criança.

- Sim, eras criança, mas responsável por seus atos.

- E de Lídia, Tú lembras do que fizestes a pobre moça? Mandastes que abortastes um filho teu que estavas nas entranhas dela e ela o fizestes por amor a você e morreu de hemorragia interna por tua culpa. Eu respondi em tom áspero:

- Foi um acidente! O espelho rebateu:

- Sim! Um acidente que Tú provocastes para a pobre moça.

- Por final, lembras da Neusa? Eu lembrei de imediato e disse:

- Sim! Lembro! O espelho em tom de ironia, respondeu:

- Como haverias de esquecer? Atropelastes a moça por crueldade, por ciúmes do Carlos. Agora ela está presa a uma cadeira de rodas. Eu respondi ao espelho com muita indignação:

- Sim! Fiz todas essas coisas e por isso você apareceu? Para questionar a minha consciência? O espelho com um tom melancólico, respondeu:

- Não! Chegou a sua hora, por isso deves arrepender-te agora de todo o mal que causastes às pessoas que o amavam.

- Eu me arrependo por tudo o que fiz.

No dia seguinte, a minha empregada Zuleica encontrou-me caído no chão da sala, sem vida, como se tivesse sofrido uma ataque cardíaco. Estava com um semblante bonito, parecia estar sorrindo. Ela fechou os meus olhos e chamou pela minha família para o meu próprio funeral.

E o Sujeito do Espelho já não mais se encontrava ali.

Roseli Princhatti
Enviado por Roseli Princhatti em 02/09/2010
Reeditado em 18/07/2011
Código do texto: T2475219
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