Perdigotos existenciais

“Quem julga caçar é caçado” (La Fontaine)

- Eu não o engano. Provavelmente, é você que se engana em relação a mim.

Estático. Assim permaneci, lá onde a pequena razão costuma estar endereçada. Lá onde, por qualquer instrumento que se use, valorizamos excessivamente o produto do seu esforço.

Ao especular, ela mostrou-me o quão infantil havia sido em minha sentença.

Não sei, e não faço a menor questão, o quanto isto me ocupou. O tempo que levei realizando malabarismos retóricos na tentativa de entender o que entregava o óbvio. Ela havia sido sucinta e pragmática. O que mais era necessário? O que mais, por favor, eu ainda precisava lucubrar?

“Eu não o engano...”.

Estulto, no mínimo.

Forçoso dizer que este adjetivo é meu?

Nunca mais falei-lhe sobre. Nem mesmo pensei em alcançar-lhe um sussurro a respeito. Mas, conquanto esforço diligente aplicasse no alivio do esquecimento, ao vê-la, a questão retornava tonitruante. Posso dizer que me doía os ouvidos, tão robusta a repercussão. Dessorava-me a vontade. A de perquirir por explicação que fugisse-me ao explicito da mensagem. Enfraquecia-me, consideravelmente, estar ao seu lado e viver a dúvida do meu engano.

- Está tudo bem? - Perguntei, sem pensar nas implicações de tão desnecessária introdução. Mas, há de se saber, um dia, onde escondem-se os detalhes encantadores de toda e qualquer pergunta, que, naquele instante, me foram generosos.

- Bom, você pode fazer a relação primeiro? - Disse-me, em outra questão.

- Desculpe, mas realmente não entendi. - Respondi com ênfase, mostrando interesse iniludível.

- Certo. O que considera “bem”? O que podemos aprender com perspectiva distintas? Pois o seu conceito é, ou pelo menos deveria, ser diferente, não é mesmo?

Certo.

A conhecia (?) há míseros 8 meses. Sempre fora dada a alegorias em seus argumentos. E isto, nunca escondi, sempre me fascinou. Mas agora, estava, além de confuso, completamente perdido no imperscrutável da sua resposta. Franzi todos os traços do espanto expresso em meus impressionados olhos e balbuciei:

- O que?

- Bem, mal. Bom, mau. Todos estes substantivos e adjetivos. Tudo isto não depende, necessariamente, de perspectiva? Pare um segundo e pense a respeito, com cuidado.

Posso jurar que o laivo de satisfação que enxerguei em seu sorriso, logo após a admoestação, estava acompanhado de todas as respostas que estive a procura durante a esforçada empresa em sanar as duvidas que me opugnavam! Mas, num átimo, infinitesimal em sua duração, percebi o colo macio e sedutor do logro armado.

Apelei, mas só para constatar que os limites Dela não eram mensuráveis.

(...)

Oito meses. A maior parte sem senti-la. E quando percebo o curso tomado, a direção, então, me mostra que não há caminhos seguros neste jogo.

Amplificados, alhures, como é o Seu caso, pela natureza inexorável a lhe outorgar os efeitos, faço aquilo que me sobra na consciência possuída. Enlevo-me no erro. Refocilo-me no engano e deixo o poeta lembrar-me...

“Duas vezes jurei ser

O que julgo que sou,

Só para desconhecer

Que não sei para onde vou”

Quadra de Fernando Pessoa