O Homem Sem Camisa.

O frio tirou o “homem sem camisa” de casa. Queria conversar com o guarda do colégio, que toda tarde se prontificava em seu posto, sentado numa cadeira de cordas; desta vez portando uma garrafa de alguma bebida quente.

O homem sem camisa saiu na soleira de sua humilde casa popular, construída no governo Quércia, às duras penas.

Num frio incomum por estas bandas, era ele um personagem único pelas ruas da pequena cidade. Nunca, desde que casou e se tornou independente, colocou mais camisa no peito!

Era pedreiro dos bons, rústico e trabalhador, couro peludo, forte, e tinha como veículo uma motocicleta Yamaha ano 1983, cinza, forte, dura como ele.

Havia aproximadamente vinte e dois anos que não vestia qualquer roupa de cima, camisa, camiseta, blusa, cavado, o que quer que fosse, desde o casamento e a aludida independência não se via mais na obrigação de vesti-las. A princípio, em bancos e outros órgãos públicos, o impediam de adentrar ao ambiente sem estar devidamente trajado, mas com uma liminar da Justiça conseguiu o direito de transitar por aí sem roupagem de cima. Com exceção a audiências judiciais, mas só precisou dela uma única vez. No mais, era um bom cidadão, pacato, respeitador e cumpridor de seus deveres. Só não usava camisas...

Era uma atração à parte quando num frio gélido de julho o víamos passando com sua motocicleta acelerada, sem camiseta, zunindo em cumprimento de seus afazeres, corpo peludo e forte, muito forte.

Chegou a ponto de despersonalizar-se e ser chamado unicamente de “homem-sem-camisa”, conhecido por todos.

Passou assim quarenta anos de sua vida, a ponto de seu couro adquirir uma espessura animal.

Por ironia do destino o homem sem camisa morreu num dia quente de verão, suando frio debaixo dos cobertores...

Savok Onaitsirk, 07.06.10.