A história de um livro

Acordei nos versos de outro poeta; mais alegre, a alma rejuvenescida. Um amável nascer do sol; escrito em algumas linhas retas outras paralelas; formado em imagens múltiplas, uma consciência de um ser multifacetado, poderia ter dor, mais não tinha; poderia ser construído de mentiras, contudo, não fui; porém, mesmos os versos quando lidos são interpretados diferente, depende exclusivamente do leitor; então percebi que no bojo das coisas eu estava igual ao que sempre fui, porque no contexto geral da escrita não sobrevivia a um rascunho; ninguém ouvia, as pessoas passavam diante do verso estendido em um varal e não alcançavam o ser.

Éramos a feira dos poetas; um seguia calmo entre a multidão, o verso; na rua entre tantos leitores e outras palavras, eu. Ela na calçada não movia nem ao vento torto ou a brusca mudança de direção dos olhos que não paravam de açoitar, dos ignorantes e incultos.

Ela, não leu o verso do poeta, não tinha interesse, era ainda tão inocente.

Foi necessário que muito mais tarde quando já transformado em livro o conjunto de palavras e folhas interrompesse seu tempo e inundasse sua nudez pálida; era quase tarde para o verso desbotado; pois, não podia ser na sua totalidade entendido, o idioma natural havia sofrido alterações. O poema em dialeto antigo, de feira, estava quase transparente, não era o original, havia sofrido grossas mudanças; ela, envelhecida, enrugada, não se lembrava da feira, pois, era tão menina.

O encontro foi áspero, tal vulto que expõe ao figurante abruptamente, estava ali na estante de um velho sebo; olhou, folheou, tentou ler a orelha, cheirou as páginas; admirou a encadernação; estava desgastada, isto todos percebiam, mesmo os que passavam longe, pois, era um livro cheio de poemas incompreensíveis;, contudo, diferente de todos que estavam naquele lugar empoeirado. Carregou consigo nos braços embranquecidos; perguntou ao livreiro qual o valor; porém, o livreiro vendo o interesse e aquele era o mais raro de todos os livros daquele lugar, o único exemplar, excedeu no quantitativo; logo eu, que nada valia; examinou suas poucas moedas, contou-as, e novamente refez a ação, viu que não tinha tal valor; eu não existia para ela, e não sobreviveria a mais solidão, precisava ser decifrado; porém, não era aquele o dia, permaneceria anos naquele lugar; indecifrável a cada dia mais.

Então envelhecemos longe um do outro; o mundo não compreendia ou alcançava o que era poesia; poeta muito menos. Tudo na sociedade passou a ser mecânico e virtual. Ela abrigava a sua velhice. Eu abrigava minha dor.