Imposto(metro)res

No calendário, 4 de maio de 2011. O relógio marca 14h30. Pela calçada da Rua Boa Vista segue o pacato cidadão anônimo, cabisbaixo, preocupado com as contas que tem pra pagar, algumas vencidas, já antevendo que seu minguado salário, pra variar, chegará agonizante ao final do mês; se chegar.

De repente, o pacato e anônimo cidadão ergue a cabeça pra tomar fôlego naquele ar carregado de poluição da megalópole, e seu olhar vai dar no enorme painel eletrônico postado no alto bem à sua frente, apropriadamente apelidado de "impostômetro" (em colocar apelidos o brasileiro é show de bola!). É quando ele vê a marca exata dos R$ 500 bilhões já abocanhados desde o início do ano pelo insaciável leão fiscal do governo nas esferas federal, estadual e municipal. Novo recorde na arrecadação de impostos, como nunca antes visto na história deste país (agh!). Do aconchego de suas blindadas salas palacianas, comemoram mais uma vez os orgulhosos e felizes donos do painel eletrônico - os, digamos, "impostometrores" (em apelidar, alguém já disse, o brasileiro é f...era!).

Diante da cena (in)esperada, a vertigem lhe é inevitável, seu estômago embrulha, ele sente náuseas. E toma novo fôlego (seguido da tosse seca renitente que há muito o fustiga), olhando para seu legítimo relógio de pulso "hecho en Paraguay" (comprado ano passado no camelô da esquina) que agora marca 14h32. Olha mais uma vez para o impostômetro e vê que os números vão crescendo em velocidade espantosa, e segue seu caminho, com a mente tomada pelo bailar alucinado dos números das tantas contas que tem que pagar.

Da calçada, onde agora acelera o passo - já pensando no metrô abarrotado que terá de enfrentar ao final do dia pra ver se chega em sua casa no subúrbio antes da meia-noite -, presencia a fila de automóveis a perder de vista no trânsito engarrafado de sampa (em matéria de apelidos, o brasileiro não tem páreo!), fila que a exemplo do impostômetro segue batendo recorde atrás de recorde.

O painel eletrônico que não para, os carros que não andam, os motoboys arriscando a vida pelos estreitos corredores entre os automóveis, os pedestres apressados se esbarrando uns nos outros no vaivém frenético de sempre, tantos rostos anônimos transpirando solidão... cenas do cotidiano na imensa selva de pedra, onde reina absoluto o grande e voraz felino predador do bolso sem fundo do trabalhador. Enquanto isso, numa certa esplanada cravada no coração do planalto central, o próximo happy hour diário se avizinha...