Uma conversa metalinguística

Quando o jovem adulto, nos seus 21 anos, estaciona a moto, percebe que um adolescente em seus 15 anos, sentado na mesa do lado de fora de uma cafeteria, começa a acompanha-lo com o olhar, ansioso. Quando o jovem adulto tira o capacete e o coloca no baú da moto, trancando-o, percebe-se a imensa semelhança entre os dois.

O jovem adulto se aproxima da mesa, respira fundo e olha para o adolescente. Esse, por sua vez, bebe mais um gole da Coca-Cola com gelo que em mãos.

- Você demorou... – disse o mais novo.

- É... eu sei.

- Eu vou me atrasar sempre, assim?

- Não... é que... eu precisei de coragem pra vir aqui. – Respondeu o mais velho, sentando-se na cadeira do outro lado da mesa.

- Entendo...

Um momento de silêncio constrangedor pesou sobre os dois, cada um olhando para um lado da mesa, a cabeça baixa e o pensamento distante. Até que a atenção de ambos foi tragada pelo garçom.

- Bom dia, amigo. Posso ajuda-lo em alguma coisa?

- Me vê uma Polar, cara...

- Long Neck ou 600?

- Long Neck.

- Ok, já trago. – disse o garçom, afastando-se.

- Você vai dirigir depois, não vai? – perguntou o adolescente.

- Hehe... Vou sim, mas tá tudo bem. – respondeu, sorrindo. - Sabe... eu penso bastante em você.

- Eu sei...

- Sabe?

- Eu sinto. – disse, olhando o mais velho nos olhos. – Eu sinto que pensa em mim com saudades dessa época e, de verdade, queria que parasse de fazer isso.

- Parar? Por que?! – perguntou, perplexo.

- Porque quando eu sinto que pensa em mim com essa nostalgia eu me sinto pressionado a viver coisas incríveis que cumpram com tuas expectativas. Eu só... vou viver. E você sabe disso!

- É... Eu entendo. Foi mal, vou procurar não pensar tanto em você.

- Tudo bem... Obrigado.

E mais um breve momento silencioso se seguiu, até que o mais novo se pronunciou.

- Eu tenho tantas perguntas... Eu esperava você com 19 anos, mas veio com 21... Você demorou...

- É... eu sei, você disse... mas faça as perguntas e eu respondo como puder.

- Eu vou ter uma moto? – perguntou, olhando para a motocicleta no outro lado da rua.

- Vai... E vai curtir muito andar nela.

- E namorada? Você tem namorada? – ele começava a se empolgar. Os cabelos levemente compridos, até um pouco acima dos ombros, balançavam quando ele falava.

- Não... Não estou namorando ninguém, agora. Você vai namorar alguém em breve, brevemente. Depois vai namorar outro alguém por quase três anos, mas vai vê-la pouquíssimas vezes. Depois vai namorar outro alguém por quase dois anos, e vai vê-la bastante, até, embora, pra ti, esse bastante não vá ser o suficiente. Mas você vai amar elas com todas as tuas forças, até que o medo de esse amor se desgastar e morrer te faça ir embora.

- Hm... – Ele balançou a cabeça de leve, olhando pro chão, pro lado - E eu vou... você é... feliz? – Terminou a pergunta olhando para o rapaz mais velho, esperançoso.

- Na maior parte das vezes, sim. Assim como você. Tive meus momentos em que olhei para frente e não vi nada adiante, mas eles passam. Você sabe que passam.

- É, sei sim... Então não mudei muito, afinal?

- Não, não. Não pense isso! Eu e você somos bem diferentes, sim... mas temos a mesma origem, a mesma semente. Tem coisas em nós que nunca vão mudar... ou ao menos eu espero que nunca mudem. Fiquei ainda mais nerd, por exemplo... – e riu. - ... e acho que ainda sou bem irresponsável com meu coração. Você também é. Lembra da Carol?

- Ô, se lembro...

- É... Você vai passar por tanta coisa que nem vai lembrar da Carol, mais. Vão outros nomes, tão fortes e intensos quando você pensar quanto é a Carol pra você. No fim, acho que você vai se afundar ainda mais nos sentimentos, emoções e relacionamentos.

- Poxa...

- E no lugar de “poxa”, vai falar “porra”. E, provavelmente, “me fodi”, depois. E é verdade, nos fodemos. – Riu.

- O que mais você pode me falar de... mim?

- Praticamente tudo. O que eu falar aqui não vai mudar nada, você sabe. Bom... Ultimamente eu tenho ouvido... Você ainda vai chorar quando ouvir “Don’t Cry”... Mas ao menos não vai chamar a música de “Don’t Cry Tonight”, mais.

- Tá... você não tem namorada... mas gosta de alguém? – O mais novo parecia realmente preocupado com aquele assunto.

- Gosto, gosto sim... mas não se empolgue. Não sei no que vai dar... Eu... você... nós nos entregamos demais e exigimos um pouco disso, também. E quando a pessoa não está disposta a nos ceder isso, nós vamos embora.

- Ah... – e ele abaixou a cabeça novamente.

- Não esquenta, cara... Vamos continuar procurando uma pessoa que goste da gente, que esteja pronta pra andar do nosso lado, que ria das nossas porcarias, que não jogue com nossos sentimentos, que nos deseje... você sabe... no sexo... Bom... Vamos continuar procurando sempre, tu sabe disso.

- É... sei sim... e... tipo, o sexo... Quando eu vou...?

- Daqui a alguns meses, nesse primeiro namoro rápido que eu mencionei. Vão ser dois, três meses de namoro. Tu vai curtir bastante, mas vai se sentir culpado no final.

- Por que?

- L’amour...

- Não entendi, mas tá... E a minha relação com o...

- A mesma merda, cara... – O mais velho o interrompeu, respondendo - ... acho que tá até pior. Tu vai sentir muita raiva. Muita mesmo. Vai tomar uma decisão idiota nos próximos meses que vai te fazer sentir o pior homem do mundo. Mas aguenta firme. Aguenta que eu estou aqui de garantia que essas coisas passam. E, no final, tu vai sentir muito mais pena dessa pessoa do que raiva...

- ... – O mais novo deixa algumas lágrimas rolarem pelo rosto sem barba. O rapaz mais velho olha e se permite chorar um pouco, também.

- Viu... por isso eu demorei. Tem alguns assuntos que, eu sei, vão nos machucar bastante...

- Eu sei... mas precisamos nos reunir. Tu sabe disso.

- Eu sei.

- Tá... – Ele respirou fundo e ergueu o rosto. O jovem adulto sentiu um pouco de orgulho daquele adolescente na sua frente. - ... e o colégio?

- Você vai odiar 80% do tempo que passar lá, cara. Eles vão implicar contigo e tu nunca vai ceder ao impulso de revidar. Vai se achar um covarde por causa disso – e o rapaz começou a chorar -, mas hoje eu só consigo te ver como um moleque muito corajoso e forte.

- Calma... vai ficar tudo bem. – o mais novo sorriu de leve. A Coca-Cola já estava virada em água, esquecida em cima da mesa.

- Era pra eu estar falando isso, cara. – E ele riu, parando de chorar aos poucos. – Porra... Queria estar mais forte pra esse encontro. É foda chegar aqui na tua frente e chorar, assim.

- Calma...

O garçom, em silêncio, trouxe a cerveja e a colocou na mesa. O mais velho negou o copo, abrindo a long neck e bebendo no bico, três goles de uma vez.

- Tá... Vamos continuar, sim? – disse, limpando o resto das lágrimas do rosto.

- Ok. Então... Você já é um escritor?

- Não. Ainda quero ser. Me culpo bastante por não ter me esforçado o suficiente pra isso nesse tempo todo. Agora, com o final da faculdade, trabalho e tudo o mais, a coisa é mais difícil...

- E que faculdade eu vou fazer? Onde vou trabalhar?

- Hehe... Daqui a um ou dois anos você vai fazer um teste vocacional que vai dizer que você é bom com as pessoas, com a comunicação. Então tu vai dizer “Opa! Então vou fazer publicidade!”.

- Assim? Sem planos nem nada?

- E quando foi que tu teve planos?

- É...

- E, agora, estou trabalhando numa agência, com redes sociais.

- Tipo o Orkut?

- Não vamos entrar nesse tópico, sim? Só te adianto que o mundo vai ficar virado em redes sociais. Tu vai ter bastante trabalho.

- Tá... E a mãe? E o Victor? A Ádima?

- A mãe tá muito bem. Ela vai ser, pra sempre, a mulher mais forte que tu vai conhecer e hoje ela te elogiou.

- Me elogiou?

- É... Eu falei que iria te encontrar e ela disse que lembrava de um garoto de 15 anos que era muito forte, muito corajoso, muito querido e atencioso, preocupado e dedicado.

Os dois abaixaram um pouco a cabeça para esconder as lágrimas que escorriam novamente. Uns poucos minutos de silêncio bastaram para poderem continuar a falar.

- O Victor... ele já tem quase a tua idade, curte skate e não curte RPG. Teu legado nerd vai ter que esperar para ser repassado – e riu – mas é um guri bem parecido contigo. Eu gosto disso.

- E a Ádima?

- Vai casar, virar uma mulher forte e responsável, que nem a mãe. Ela vai ter uma filha e tu vai ser o padrinho.

- Eu?

- Tu. Já se prepare, porque num apocalipse zumbi tu vai ter dois moleques pra cuidar! – e riu.

- Dois?! Quem mais teve filho e foi louco pra me tornar padrinho?

- A Thi.

- A Thi?! Sério?

- Ahan.

- Nossa... Eu ainda sou amigo da Thi, então?

- Claro que sim. Mais amigo que nunca, acho. Difícil ela se livrar da gente.

- É... – Riu, olhando para o copo de Coca-Cola.

O mais velho bebeu mais alguns goles de cerveja, respirando fundo.

- O que você pensa em fazer depois da faculdade, Lucas?

Pego de surpresa por ouvir seu nome, o mais velho encara o adolescente com o semblante sério e pensa por um momento.

- E... Eu penso seriamente em fazer um pós ou um mestrado em Letras. Mas de onde surgiu essa pergunta? Achei que nos encontrássemos pra eu falar do que já aconteceu, não do que vai acontecer...

- É... eu só queria saber, mesmo... desculpa...

- Tudo bem... Eu entendo. Vamos conversar muito ainda, não se preocupe.

- E quando tu acha que o próximo vai chegar?

- Olha... Não sei, mas ele provavelmente vai se atrasar. Garçom! Traz mais uma Coca e mais uma Polar, por favor!

- E... Lucas...

Ele virou para o adolescente.

- Sim... Lucas?

- O que vamos dizer quando o primeiro de nós chegar? O que dizemos praquele Lucas que ainda nem chorou?

O mais velho respirou fundo, bebeu o restinho da cerveja e respondeu.

- Respondemos que venha de uma vez, porque a vida vale à pena.