(Vale a pena ser lido até o final, desde que se siga as orientações da vovó)


DIFERENTES DIMENSÕES SEÕSNEMID SETNEREFID
“Abram bem os ouvidos, aguce primeiramente quatro dos seus cinco sentidos: audição, paladar, tato e olfato, e por último a visão que é a menos importante, pois ela será substituída pelo sexto sentido. Qual é o sexto sentido? Imagine. Este conto possui alegorias muito sensíveis e somente pessoas muito sensíveis podem “degluti-la”.
Esta era a introdução preferida da vovó ao iniciar mais um de seus incontáveis números de contos. Hoje, mais de “dez mil anos” depois sou capaz de compreender suas sábias palavras.
“Hora do conto!” – cochichava ela e todos nós corríamos a sentar em sua volta, ansiosos, ávidos a sugar até sua última palavra quando então dizia:”...E viveram felizes para sempre.”
Em êxtase íamos dormir sonhando com princesas e cavaleiros e terras distantes.
...”Era uma vez...”
Uma terra muito, muito distante, onde só é possível chegar através do pensamento existia um vilarejo longe de qualquer contato com a civilização “moderna”. Não conheciam a energia elétrica, televisão, internet, rádio, telefone, geladeira... Nada.
Eram extremamente felizes, conseguiam se relacionar em harmonia.
Nesse vilarejo havia uma menina chamada Esmeralda, não era à toa que tinha esse nome de jóia. Seu parto tinha sido feito à beira de um maravilhoso riacho. Sua mãe, num gostoso dia de piquenique, quando molhava seus delicados pés à beira do riacho avistou no meio das pedras algo que reluzia sob os raios de sol. Abaixou-se o mais que pôde até alcançá-lo e ao tirá-lo da água deu-se conta do mais belo anel que já tivera visto, sua argola era de ouro e ostentava a mais bela pedra verde esmeralda. Enquanto contemplava o seu belo achado sentiu uma pontada ao pé da barriga. Era a sua primeira e única filha pedindo passagem para o mundo.
_Jeremias! Jeremias! – gritava ela para o marido- O bebê... O bebê está chegando!
E foi assim que a bela Esmeralda veio ao mundo, na beira do rio.
Esmeralda cresceu neste belo lugarejo onde todos se respeitavam.
_Bom dia, Esmeralda! – cumprimentavam todos quando Esmeralda passava pelas ruas todas as manhãs ao ir com sua leiteira buscar o leite para o café da manhã.
_Bom dia! – respondia Esmeralda sempre com um largo sorriso-.
_Como a Esmeralda é bela! –diziam sempre as pessoas-.
_É mesmo, essa menina vale ouro.
Esmeralda gostava de brincar com suas bonecas de pano que ela mesma confeccionava. Tinha várias coleguinhas mais ou menos da mesma idade que gostavam muito de brincar com ela.
Esmeralda também gostava muito de brincar no riacho onde há alguns anos sua mãe lhe havia dado a luz. As águas eram límpidas e geladinha, boa para refrescar-se. No riacho ficava horas e horas com suas amigas, mas o que ninguém sabia era que Esmeralda tinha um tesouro secreto. Trazia um belo anel de pedra verde pendurado por uma delicada correntinha ao pescoço. Havia ganhado o presente de sua mãe e nunca se separava dele, mas o segredo que ela guardava era o da moça que morava dentro da pedra do anel, só Esmeralda sabia e gostava muito de conversar com a delicada moça do anel. A menina deitava-se na relva, colocava a pedra bem próxima ao olho direito fechando o esquerdo, mirava a pedra em direção ao sol e lá estava sua amiga multifacetada, em várias direções. Chamava-a: Cristalina.
_Cristalina, por que você não sai desta pedra e vem brincar comigo?
_Não posso sair daqui, sou encantada assim como você!
_Encantada!?Assim como eu!? Não entendi Cristalina.
_Vivemos em um mundo paralelo e nosso elo de comunicação é somente através desta pedra, por isso somos encantadas, se estes mundos se encontram perdemos o encanto uma para a outra. Tornamo-nos pessoas comuns e sem graça.
_Eu nunca vou achar você “sem graça”, Cristalina!
Às vezes, Esmeralda conversava com sua amiga Cristalina procurando-a através do brilho da lua e das estrelas, mas preferia a luz do sol, pois assim sua amiga ficava mais radiante.
Conversavam sobre reinos distantes e encantados, princesas e heróis, suspirando cada uma a seu lado com o dia da chegada  de seus príncipes encantados.
Certa vez Esmeralda correu a chamar sua amiga:
_Cristalina! Cristalina!
_Oi, minha amiga Esmeralda!
_Você não vai acreditar! Chegou ontem aqui na minha vila o mais belo rapaz que eu já vi! Ele tem um lindo cavalo branco e um violão. Precisa ver quando ele começa a cantar! Ele é compositor e suas músicas são como melodias celestiais, pois quando começa a tocar e a cantar parece que a gente voa. Eu enxergo anjos em seus olhos.
_Nossa, Esmeralda! Parece que você está apaixonada! Pois vou confessar-te uma coisa: eu também conheci um rapaz ontem e acho que também estou apaixonada.
_Pensei que só você morasse na pedra do meu anel, Cristalina.
_Claro que não, Esmeralda! Já te disse que são dois mundos paralelos. Só que somos encantadas porque somos as únicas que conseguimos nos comunicar por este elo.
_Cristalina, tenho que ir, pois o Gabriel prometeu uma música inédita pra mim.
_Hum! Parece que este tal Gabriel também se apaixonou por você hem!
_Espero que sim, Cristalina, pois ele é o príncipe eleito do meu coração.
Esmeralda ia feliz em meio às flores e não percebeu quando sua correntinha se abriu e seu anel escorregou perdendo-se no chão. Correu feliz até a vila enfeitando seus cabelos com pequenas flores silvestres.
_Lá estava Gabriel esperando-a, afinava seu violão e ao vê-la aproximar-se sorriu.
_Olá, Esmeralda! Que bom que você veio.
O coração de Esmeralda palpitava de emoção, aquele rapaz com certeza era seu príncipe encantado.
_Você está linda!
As bochechas da menina.
Gabriel sorriu, tomou uma de suas mãos e beijou-a.
_Vou cantar pra você, minha pequena! Fiz esta música ontem quando a vi pela primeira vez.
A música tinha um ritmo, uma melodia e uma letra que Esmeralda jamais poderia imaginar. Falava de amor, de sonhos e felicidade eterna. Gabriel cantava sem desviar os olhos de Esmeralda que sorria timidamente. Nascia ali o mais belo amor de todos os tempos e não demorou muito até chegar o dia do casamento.
Esmeralda estava linda com seu vestido de noiva. Enquanto o órgão tocava sua marcha nupcial, Esmeralda  caminhava lentamente até o altar onde Gabriel a esperava, lindo, radiante.
Gabriel tomou as mãos de sua noiva e juntos juraram amor eterno. Um doce e apaixonado beijo selou aquela união.
A casa de Esmeralda e Gabriel era maravilhosa, cercada por uma bela varanda ornamentada com as mais lindas flores já vistas.
Todos na vila percebiam a felicidade do casal que vivia brincando um com o outro. Pareciam duas crianças.
Ninguém invejava a felicidade de Esmeralda e Gabriel, pois todos naquela vila eram felizes.
Esmeralda vivia tão feliz que nem se lembrava de seu anel, nem tinha percebido que o perdera.
Um dia, porém ao passear pelo bosque enquanto seu marido cuidava dos afazeres da fazenda, percebeu um brilho radiante que escapava da fenda de um amontoado de pequenas pedras cobertas de musgo, abaixou-se para averiguar e ficou surpresa ao descobrir seu pequeno anel ali perdido, só então lembrou-se dele e de sua querida amiga Cristalina. Ficou muito feliz e mirando-o ao sol gritou por ela:
_Cristalina! Cristalina! Puxa minha amiga, como pude me esquecer de você?
Esmeralda não conseguia enxergar sua amiga. Ajeitava a pedra  do anel em várias posições e nada de Cristalina aparecer.
_Cristalina! Cristalina! – chamava Esmeralda desesperada. – Onde está você minha companheira? Apareça! Me perdoe por tê-la esquecido. Vamos, apareça!
Percebendo que Cristalina não aparecia, Esmeralda sentiu um aperto no coração e começou a chorar. Suas lágrimas caíam sobre o anel e de repente um brilho muito forte a cegou por um instante. Esmeralda sentiu uma vertigem e desmaiou.
_Esmeralda! Esmeralda! Acorde.
Esmeralda ouvia longe alguém que a chamava, foi abrindo os olhos devagar e sem acreditar vislumbrou Cristalina bem em sua frente.
_Esmeralda? Como veio parar aqui?
_Onde estou?
_No meu mundo. –disse Cristalina num tom até então desconhecido de Esmeralda.- Eu não estou entendendo. Como você conseguiu sair do anel?
_Sair do anel? –admirou-se Esmeralda- Mas quem morava no anel era você, Cristalina.
_Ora, essa é boa! Não seja ridícula.
Esmeralda não conseguia reconhecer sua amiga que outrora lhe tratava com tanto carinho e agora a estava chamando de ridícula. A aparência de Cristalina também estava diferente, mas Esmeralda não conseguia identificar o que era.
_Por que você veio para o meu mundo sua idiota? Já sei, interessou-se por meu marido e veio roubá-lo de mim, mas não pense que uma qualquer vai conseguir isso, você se acha a mais linda, não é mesmo? Só porque mantém essa aparência jovem e fresca pensa que pode ir invadindo o mundo dos outros assim.
_Calma Cristalina! Eu não sei porque estou aqui, mas não vim para incomodá-la.
_Cala a sua boca suazinha! Todo mundo que vem aqui é interessada em meu marido e nas minhas coisas.
_Claro que não, Cristalina! Eu a admiro muito, você é muito especial para mim.
Um barulho na porta fez as duas interromperem a conversa.
_É o meu marido. – disse Cristalina – Não se atreva a dirigir-lhe a palavra.
Esmeralda teve um grande susto ao vislumbrar entrar pela porta um homem muito parecido com Gabriel, um tanto mais velho porém. . O homem entrou e nem olhou para as duas. Foi até a geladeira, pegou uma cerveja, sentou-se no sofá e ligou a televisão.
_Cristalina! – Gritou ele – Vem tirar os meus sapatos. Eles estão me matando.
Cristalina correu a atendê-lo.  Esmeralda seguiu-a e um pouco afastada observava a cena. Sentia-se mal, não entendia o que estava acontecendo nem conhecia aquelas coisas que via. O marido de Cristalina sorveu aquela cerveja em questão de segundos e mandou que buscasse mais. De repente ele olhou em direção a Esmeralda e pela primeira vez pareceu tê-la enxergado. Levantou-se cambaleando e caminhou em direção a ela.
_Cristalina, como você está gostosa.
Esmeralda afastou-se. _Eu não sou a Cristalina, sou a Esmeralda.
Cristalina correu na frente de Esmeralda.
_Ela não é ninguém, sai daqui Muriel, deixe-a em paz.
Muriel, o marido de Cristalina, empurrou-a:
_Sai da frente sua gorda velha, deixa essa gostosa comigo.
Esmeralda encolheu-se amedrontada, não conseguia entender tudo o que estava acontecendo. Como pôde ir parar naquele mundo! Pensou em Gabriel e na sua felicidade, ouvia de longe a voz de Cristalina.
_Eu não disse que não podíamos invadir o mundo uma da outra? Eu não disse que perderíamos o encanto? Agora se vire! Agora que se dane. Olha você aí à mercê deste monstro e eu não posso fazer nada.
_Socorro! –gritava Esmeralda enquanto Muriel rasgava suas roupas.- Me ajuda, Cristalina, só você mesma pode me salvar.
Cristalina gargalhava escarniçadamente.
_Eu não disse para não invadir meu mundo? Veja, agora você está desencantada.
_Socorro! –gritava desesperada, Esmeralda.
Quando Cristalina viu o seio de Esmeralda  sangrando pela mordida de Muriel teve um lampejo de piedade e autopiedade e então de repente sentiu-se enojada, enraivecida. Queria que Esmeralda morresse, mas sabia que a morte de Esmeralda seria também a sua e sem titubear agarrou um pesado vaso de vidro e o estilhaçou na cabeça de Muriel que caiu e aos poucos foi perdendo as forças enquanto o sangue escorria calmamente.
Já havia passado muito tempo quando alguém arrombou a porta do apartamento e encontrou as duas encolhidas em cima da cama enquanto o corpo de Muriel jazia no chão.
Esmeralda não entendia por que estavam vestindo aquela roupa branca em sua amiga amarrando-lhe os braços para trás. Acompanhou Cristalina até o seu destino, condoída de pesar. Esperavam numa sala onde havia uma pequena janela muito alta. Um raio de sol atreveu-se a entrar e Esmeralda boquiaberta viu seu anel com sua correntinha pendurados no pescoço de Cristalina. O olhar de Cristalina estava perdido no vácuo do nada quando o raio solar fez-se refletir na verde pedra daquele anel. Esmeralda fechou os olhos e beijou o rosto da amiga.
_Somos encantadas, Cristalina! Ainda somos encantadas!
O brilho do sol refletido no anel inundou toda aquela sala e quando aquele breve instante passou, Esmeralda sentiu-se caída no meio das flores do bosque perto de sua casa. Abriu os olhos devagar e vislumbrou a silhueta de Gabriel que sorria para ela.
_Minha princesa dormiu no meio das flores?
Esmeralda sorriu para ele.
_Eu te amo, Gabriel.
Ele estendeu-lhe a mão e ela se levantou. Gabriel a beijou apaixonadamente, a pegou no colo e a colocou em cima de seu cavalo branco. Montou aninhando-a em seu peito fazendo o cavalo seguir num trote suave. Seguia rumo à felicidade com o sol brilhando por testemunha. Gabriel nem percebeu quando Esmeralda jogou no meio das flores um belo anel de pedra verde.