O meu Enigma

A alvorada vermelha e enevoada se levanta mais uma vez, e junto com ela pego minhas ansiedades e sonhos na bolsa rumo à terra de areia, que os ventos nervosos do norte ameaçam ruir. A seta da bússola diz, vá, é lá que está o pouco que lhe falta, e sem nenhuma outra opção eu vou.

O ar está seco e quente, chega a sufocar, secando meus dedos... Rachando-os... Cubro-me com o manto que ganhei das duras pelejas do passado. Cada superação foi um pedaço de retalho: uns dourados, outros cinzentos, muitos são vermelhos e outros até negros de ódio, esses tive que lavar as águas da inexistência. Então os costurei juntos com uma linha de raciocínio. Mas sinto uma brisa leve do oeste que vai me ajudar a tocar o barco, ela trás um calor diferente, suave, que me admira, mas parece ter medo de mim, e por isso me segue de longe como um ladrão, mas que na verdade vai me deixando alimento pelo meu caminho. Será uma armadilha desse piadista negro chamado Destino? Não me restam muitas opções, e a fome do espírito é algo que resseca por dentro como a vingança.

Na minha frente surge um rio poluído com olhos de cobra, salgado como a incompreensão. Eu sinto, ele quer me afundar, me fazer desaparecer nas suas entranhas podres, no seu cheiro, que nem os urubus toleram, o cheiro putrefato da ignorância e do orgulho tolo. Andar por cima do rio é impossível, e voar sobre ele improvável, e para os dois lados que olho, ele se estende além do horizonte embasado pelo brilho da escuridão. Então vejo ao longe um velho pescando em um barquinho no meio do rio. Como alguém pode pescar em um rio tão imundo?

Deito-me na praia vendo o velho na mesma posição, sem pegar um peixe sequer. Não entendo, e continuo vendo ele na sua imobilidade de pedra até adormecer. Acordo, o céu está negro, cravado de estrelas muito vivas, sinto algo quente do meu lado direito, é uma fogueira, mas não só isso. É o velho, assando um monte de peixes, sentado na sua visão quase cega pelos anos. Seu rosto enrugado se abre para me ver, eu me sento e vejo os peixes, sem entender o porquê de assar tantos de uma vez, pois nós dois juntos não seriamos capazes de comer todos. Pergunto aflito como ele tinha achado aqueles peixes num rio tão sujo, e por que está fritando. Ele apenas diz: Eu não preciso te ensinar algo que você pode aprender sozinho... vê se não come todos eles viu? Você não é o único que tem fome. Após essas palavras o velho desaparece como fumaça.

No dia seguinte o rio estava limpo...

Marcos Paulo Silva
Enviado por Marcos Paulo Silva em 25/06/2011
Código do texto: T3057047
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