O Condomínio dos Sonhos
 
- Que tal aquele apartamento, querida?
            - Parece bom, tem duas amplas sacadas.
            Marcamos com o corretor e horas depois adentrávamos o imóvel:
            - Ampla cozinha e já montada!
            De fato, a cozinha era a melhor parte.
            - Ele parecia maior por fora. – Disse ela ao que concordei com um aceno de cabeça. O corretor se esforçava. No final, não gostamos. O prédio era baixo, com apenas 6 andares e dois apartamentos por andar e nada mais a oferecer, nem mesmo salão de festas. Ficava em uma área nobre, mas nos não gostamos, apesar das virtudes, como armários novos em todos os quartos e uma surpreendente e ampla área de serviço.
            Continuamos a andar pela cidade na busca de um imóvel que nos atendesse. No dia seguinte, vimos um anúncio no jornal alardeando o imóvel perfeito. Desconfiados, marcamos com o corretor que simplesmente disse:
            - As chaves estarão com o porteiro. Sei que vão gostar. Ao final da visita, telefonem para combinarmos a venda.
            Contei o episódio para minha mulher que quase morreu de tanto rir:
            - Que ingênuo.
            - Deve ser um sujeito de muita fé. – Afirmei.
            O prédio, pelo lado de fora, era agradável e, apesar de antigo, transmitia um ar de serenidade e calma. Gostei muito das linhas e das cores suaves. Minha esposa apreciou o formato e amplidão das sacadas.
            - Quantas sacadas terá cada apartamento? – Questionou, mas não pude determinar a resposta exata. O prédio parecia intercalar, de modo que não sei definir, andares e sacadas.
            - Será um duplex? – Perguntou-me sem querer resposta. Era uma daquelas perguntas que se faz simplesmente para entreter a companhia.
            O porteiro, que transmitia muita confiança, deu-nos as chaves sem fazer perguntas.
            - Qual é o andar? – Questionamos.
            - Basta entrar no elevador e chegarão ao andar que preferem.
            - E qual é o apartamento? – Perguntamos novamente, visto não ter chaves, apenas um cartão eletrônico sem identificação aparente.
            - Basta subirem e vão descobrir. A porta certa se revelará.
            Fiquei desconfiado e curioso. Entramos no elevador. A porta fechou-se sozinha e no painel de controle havia apenas um botão. Acionamos e quase que instantaneamente a porta se abriu para um amplo corredor. Saímos dando pequenos risos pelo inusitado. Um amplo corredor com dezenas de portas se estendia parecendo infinito.
            - Não tinha a noção de que era um corredor tão grande, disse para minha esposa.
            - Nem eu.
            Começamos a caminhar. As portas, todas iguais, de belo acabamento moderno em cores brancas, não possuíam qualquer tipo de identificação. Ao invés de maçanetas, havia apenas um vão com o espaço para introduzir o cartão.
            - E agora? – Perguntou ela.
            - A porta se revelará! – Disse-lhe fazendo graça com as mãos. Olhamos de novo para o cartão e vimos uma seta se desenhando holograficamente apontado em uma direção, como se fosse uma bússola. Começamos a andar até que diante de uma porta, mudando de cor e cintilando, indicou nosso destino.
            - Que tecnologia incrível! – Disse pasmo de admiração. Introduzimos o cartão no orifício e a porta abriu-se sozinha para um amplo haal de entrada seguido de belíssima sala. Minha esposa amou tudo: a cozinha, o acabamento, o forro rebaixado em gesso, o porcelanato de primeira qualidade, os cômodos amplos e bem divididos. Foi paixão à primeira vista.
            - Deve ser muito caro, pensamos já desanimados. Ficamos ali muito tempo sonhando. Vou perguntar o preço. O corretor atendeu-me pelo celular. Fui direto ao ponto e surpreendi-me: o valor cabia exatamente no que poderíamos pagar. Deu-nos o endereço da imobiliária que se instalava em uma sala comercial no centro de simplicidade impecável. Levamos alguns dias para resolver as questões burocráticas até que, enfim, tudo acertado, nos mudamos para o apartamento dos sonhos com uma estrutura de lazer completa.
            A cada dia, no entanto, gostávamos mais e mais no apartamento a ponto de transferir o máximo possível das minhas atividades profissionais para o mesmo. Minha esposa já não queria mais se deslocar para o emprego para não perder o contato com o aconchego do lar. Comecei a recusar alguns serviços na firma que possuía, uma prestadora de serviços de treinamento empresarial e ela foi perdendo comissão nas vendas de veículos que fazia. Decidimos que, diante do enorme prazer que a morada nos fornecia, passar muito tempo fora de casa era desperdício e nossa socialização, bem como as rendas, diminui-se bastante. Os amigos reduziram-se aos moradores do condomínio.
            Descobrimos que nem precisávamos sair para fazer compras, tudo podia se entregue em casa. O mundo lá fora parou de existir e comecei a faze negócios pela Internet, através de um site de leilões que criei, vindo a fechar a empresa. Minha esposa ficava horas no quarto, com seu notebook e passei a ficar no escritório com o meu. Nós nos víamos somente nos horários das refeições e, com o tempo, nem isso. Ela passou a apreciar tanto o quarto e eu o escritório, que nos comunicávamos somente via computador. O condomínio iniciou um serviço que podia entregar as refeições na porta dos quartos em agradáveis bandejas prateadas.
            Não precisávamos nos preocupar com nada e ficamos os dois ali, por anos a fio, vendo-nos através de câmeras e cada um apreciando o mundo à sua maneira, completamente felizes e reduzidos aos nossos universos particulares...