O Julgamento de Adão e Eva

- Vosso senhor, Criador de todo mistério, por que expulsais Adão e Eva do paraíso?

Perguntou Lúcifer, o advogado do casal que fora expulso por ter transgredido as leis que regem as terras do Éden.

- Esta é uma pergunta que o senhor já deveria saber da resposta. A menos que não conheças as leis sacras do vosso reino? Isto seria um terrível crime.

- Peço desculpas, Meu Senhor – o juiz interrompeu - mas neste tribunal eu sou o juiz, e eu que determino o que é crime ou não, cabe, apenas, ao Senhor responder o que lhes for perguntado, sem mais.

O juiz concedeu a palavra a Lúcifer, que prosseguiu com o interrogatório.

- Mais uma vez, por que expulsais Adão e Eva do paraíso?

Deus, com ar severo e cheio de si, respondeu:

- Por que este casal, que goza de uma abundante leviandade, ousou em comer o fruto proibido da árvore do conhecimento.

“Oh!”. Todos na sala ficaram pasmados. Ninguém esperava uma atitude como aquela, de seres que foram privilegiados por Deus por habitar tal lugar com tamanha beleza e diversidades de frutos. Sem dúvidas, pensaram, foi uma traição.

O juiz com expressão séria olhou para Lúcifer com ar questionador. Logo, o advogado o indagou com outra pergunta:

- Se o Todo Poderoso não queria que meus clientes comessem do fruto proibido por que vós colocais a árvore do conhecimento as vistas deles? Agiu como se quisesse induzi-los ao crime.

- Protesto! – levantou Jesus, o advogado de Deus.

Nem que ao menos colocasse o motivo do seu protesto o juiz o impediu:

- Protesto negado. Prossiga Lúcifer.

Alvo e galante, Lúcifer podia sentir como era bom estar com todo o poder nas mãos, como era bom julgar as atitudes daquele que todos reverenciavam e adoravam. A vingança tarda, mas não falha.

- O Senhor sempre foi visto como o bom samaritano, o pregador da paz mundial, o amor universal, e sempre foi adorado por pregar essa filantropia. Estou certo ou não?

- Sim, com toda certeza.

- Então, quais eram as suas reais intenções quando colocou a árvore do conhecimento bem no centro do paraíso, com seus grandes frutos vermelhos, suculentos e chamativos, e avisou que era proibido comê-los? Será que Vossa Santidade não estava cansada de tanta monotonia e bondade que até então se encontrava no recinto, e resolveu instigar a curiosidade dos dois primeiros ingênuos que aparecessem, no caso Adão e Eva, para que eles o comessem e acabassem com tamanha chatice e inaugurasse um novo modelo de sociedade, com sexo, drogas e rock’n roll?

- Protesto, Meritíssimo! – Gritou revoltado Jesus.

- Protesto negado!

- Esclareça-me uma dúvida, Todo Poderoso: o que aconteceu de importante durante o tempo em que Adão e Eva moravam no paraíso?

- Nada. Respondeu Deus, quase derrotado.

- Os serviços de bondade do Senhor eram muito almejados por eles?

- Não.

- E agora, depois que toda humanidade fora criada? Depois que de sexo, ódio e ciência nasceu a guerra, a fome, a peste? O Senhor é muito requisitado pelos outros?

- Sim. – Deus respondeu entre os dentes.

- Então, como podemos ver, Meritíssimo, o nosso Senhor Todo Poderoso queria os seus minutos, ou se possível a eternidade, de fama. Por que não pensar que Ele colocou aquela árvore no centro do paraíso para fazer com que os dois idiotas que primeiro fossem criados levassem a culpa por terem comido o fruto proibido?

- O que tens a me dizer, amado senhor Deus? Disse o Juiz indagador.

- Permita-me a palavra, senhor Juiz? - disse Jesus – Prezado Lúcifer, a árvore estava lá, sem dúvidas, mas quem era o dono da cobra que levou Eva a comer o fruto proibido?

Lúcifer engoliu seco, e melindrosamente saiu pela tangente:

- A cobra não tinha dono. Afirmou Lúcifer com ar superior, todos disseram “oh!”, e continuou:

- A cobra era Lilith, que fora esposa de Adão em tempos áureos que o senhor "vosso pastor que nada nos faltará" fez questão de expulsar do paraíso por ela não querer ser apenas a mulherzinha de Adão. E, o vosso Pai Eterno sabia muito bem disto! Além disso, és machista, senhor vosso Deus sentado à esquerda!

Nesse momento Eva olhou para Adão com um ar de reprovação, achando ser a mulherzinha subestimada que tanto Deus e, consequentemente, Adão sonharam para a maravilhosa história bíblica, e com olhar fulminante levantou-se e deu seu veredicto:

- Chega com essa palhaçada aqui! Sabe que que é? Deus e Adão querem uma Amélia. Se Adão ganhar essa causa, eu vou continuar sendo a escravinha na vez. Vou continuar a ser um corpinho quente no fim da noite e Deus vai continuar a ser o Voyeur! To fora! Quero não! Eu vou me embora pra Pasárgada!

Nesse momento um estrondo invadiu o local, as pesadas portas da sala da Justiça se abriram e Lilith vestindo uma jaqueta preta, calça jeans e Ray-Ban adentrou.

- Bora, Eva, a moto já ta ai. Disse Lilith cheia de gingado.

Deus, Lúcifer, Jesus, o juiz e Adão ficaram pasmados observando o que estava acontecendo naquele lugar, quando Eva revelou:

- É isso mesmo, meus queridos, temos um caso! Ou vocês pensaram que a cobrinha era meu animal de estimação?

- Eva, já te falei pra não andar mais com essas folhinhas, coisa mais primitiva!

Brigou Lilith apressada.

As duas se beijaram na frente de toda população celestial e partiram para Pasárgada, onde já eram amigas do rei.

Helena de Castro
Enviado por Helena de Castro em 11/09/2011
Reeditado em 11/09/2011
Código do texto: T3214192
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