UNO AMOR

Chovia muito nessa noite.

E a chuva sempre me traz sensação de sonho, nostalgia...

Meu pensamento vagava, buscando na memória pessoas queridas, lembranças vividas, recordações guardadas com carinho nos escaninhos do coração.

De tudo que já vivi, nada é mais prazeroso que os fatos passados junto àqueles e aquilo que mais amo. E, de todos eles, um, especialmente, se destaca em minha mente.

Aproximava-se o final do ano. Época em que as esperanças de todos reavivam-se ainda mais. São tantos planos, tantas buscas e aspirações... E o meu desejo, não menos ardente e fervoroso, estava ali, forte e impetuoso, como a chuva que caía.

Há algum tempo eu o via, todos os dias, parado, tranquilo, como que a esperar por mim. Nosso namoro era quase inevitável, pois que, diariamente, meu caminho cruzava o seu e nossos olhos se encontravam por alguns instantes, como a dizer que havia total reciprocidade de nossas intenções.

Ele parecia me esperar passar, de manhã e à tarde, para, silenciosamente dizer que me queria e que estava à minha espera. Eu, por minha vez, parava a sua frente, fitava-o por todos os ângulos, achava-o o mais lindo e perfeito de todos e seguia meu caminho sonhando com o dia da nossa união.

Soube que lhe apareceram muitos pretendentes: uns ricos, belos, pessoas perfeitas, ideais. Mas ele recusava-se em aceitar suas propostas, suas promessas. Não queria a nenhum deles. Era a mim que queria e por mim esperava ansiosamente.

Eu jamais conhecera alguém assim. Estava encantada e embevecida com sua beleza, seus dotes, sua perfeição. E também recusei-me a aceitar qualquer outra proposta. Era ele o personagem principal do meu sonho de amor.

E nesse namoro ardente seguimos por longos meses. Meses de ansiedade e espera. Temia que alguém viesse tirá-lo de mim (ele que nem era meu!). E todos os dias sentia um alívio imenso ao ve-lo ali, sempre quieto, no seu canto, como a me esperar.

Chegava o Natal. E, embora não mais fosse criança, o Papai Noel que existe guardado em cada um de nós me fazia crer que meu presente esse ano seria mais que especial. Meu coração pressentia a chegada de uma grande surpresa. E a certeza da realização do meu sonho estava cada vez mais perto.

Sentia-me uma adolescente em seus anos dourados, misturando à realidade doces fantasias de um sonho de amor. Ele tinha que ser meu. Só meu. De mais ninguém. Afinal, nossa cumplicidade era total. Por tanto tempo éramos fiéis um ao outro!... Ninguém poderia ama-lo mais que eu, que, diariamente o visitava e, em murmúrios silenciosos falava de meus sentimentos e planos para nós dois.

E eram tantos esses planos! Queria que fosse meu companheiro inseparável, em todos os momentos e situações. Meu fiel confidente e testemunha de todos os meus atos. Sonhava para nós dias felizes, passeios maravilhosos, "momentos inesquecíveis".

Ele me levaria por todos os lugares - campos, praias, estradas, cidades...

Com ele, minha felicidade seria total, completa. E a oportunidade estava ali, bem ao alcance de minhas mãos.

Para te-lo comigo para sempre, até o fim dos nossos dias, eu precisaria disputa-lo entre outros pretendentes. Se fosse vencedora, poderia ficar com ele e concretizar o meu sonho de amor.

Dei o melhor de mim. Fiz o melhor que pude, num esforço imenso e, ao mesmo tempo, cheia de temor de alguém tomar o meu lugar.

Só me restava esperar o resultado. E essa espera foi doída, angustiante, marcada de receios. Estaria eu à altura daquele ser maravilhoso? Haveria alguém mais ansioso por te-lo e desfrutar dos prazeres que sua companhia me proporcionaria? Enfim, um emaranhado de pegunta me rondava e assim passei longos dias.

Era véspera de Natal. Eu não esperava por nenhum outro presente. Há muito que ele havia se transformado em meu melhor presente e era só por ele que eu esperava.

Como hoje, o dia também estava chuvoso e eu estava à janela de casa, perdida em pensamentos, escrevendo o nome dele na vidraça embaçada.

De repente, eis que tocam a campainha. Um toque diferente. Quem poderia ser? Levantei da cadeira - o nome dele gravado na vidraça - e fui atender. Quando abri a porta, ninguém no pátio. Brincadeira de mau gosto, pensei. Mas, quando já ia fechando novamente a porta, ouço um barulho que já me era familiar.

Não poderia ser verdade! Achei que estava sonhando. É isso. Eu deveria ter adormecido junto à janela e estava novamente sonhando.

Mas, de repente, senti um forte arrepio pelo corpo e uma sensação de estar levitando.. Era verdade, sim! A melhor das verdades daqueles últimos tempos! Ele estava ali, parado, em meu jardim, piscando só de um lado pra mim - o esquerdo, do coração. Seus olhos brilhavam e diziam que também me amava. E que dali por diante seríamos um par perfeito, inseparável.

Corri ao seu encontro, e, encharcada pela chuva que caía, dei-lhe um longo e inesquecível beijo. Ele agora era meu. E ninguém jamais nos separaria. Cuidaria dele, daquele dia em diante, como a mais preciosa das minhas jóias, como o maior de todos os tesouros.

E hoje, relembrando esse Natal, olho pra ele com carinho e vejo que nada mudou.Ao contrário, aumentou nosso amor, nossa fidelidade, nossa parceria e cumplicidade.

Ele é só meu. Eu sou só dele. Ninguém nos separa, em nenhum lugar, em nenhuma ocasião. E essa união perdurará assim, para sempre. Por nossa vida afora.

Ele é "UNO" para mim. E assim será. Por mais "MILLE" anos.

*Este conto concorreu e obteve Menção Honrosa no Concurso "Momentos Inesquecíveis Uno Mille", lançado pela FIAT a nível nacional, para incentivar a criatividade e revelar talentos na literatura, em Janeiro de 1993.

Áurea Gomes
Enviado por Áurea Gomes em 24/10/2011
Código do texto: T3295124