A SANTA SENHA

A SANTA SENHA
- Pedro... Oh, Pedro... Vem Correndo... Ou voando como preferir.
- Pronto Senhor. Alguma novidade?
- Olha lá quem vem subindo.
- Ora Senhor! Na minha idade... Sem os óculos? Um minutinho. Pronto, agora sim posso ver melhor. Cruz Credo, Virgem Maria, o Asdrúbal subindo.
- Pois é.
- Mas, Senhor, não dá para deixá-lo lá por baixo mais um bocadinho?
- Quem sobe, sobe não tem volta.
- Precisamos rever essas leis da natureza.
- Estou indo. Vá receber seu novo hóspede e muito boa sorte.
- Eu preferia que Deus me ajudasse.
- Sei, tenho mais o que fazer. Esse fardo é todo seu.
E entre nuvens, luzes e relâmpagos o Senhor foi se afastando lentamente com um sorriso muito maroto estampado no rosto, deixando para trás São Pedro atarantado rara receber o recém chegado,
Asdrúbal era homem avesso às modernidades, ficava mais à vontade com as coisas simples, aquelas que não requerem grande habilidade ou esforço do pensar. De inteligência mirrada, afetada na infância por meningite mal diagnosticada e desastrosamente mal curada, restaram seqüelas que lhe afetavam a aparência eo raciocínio. Custava entender.
- Introduza seu cartão. Lia-se no visor do terminal eletrônico de auto-atendimento da agência bancária.
Asdrúbal não atinava aonde guardara o sádico instrumento de tortura que tanto lhe angustiava o uso.
- Ufa! Aqui está... Não, esse é do ônibus... Bolas, cadê esse traste? Resmungava o pobre homem enquanto revirava os bolsos em um balé desajeitado que fazia lembrar de longe, diga-se de passagem, bem de longe, uma bailarina clássica no auge de sua apresentação. Os bolsos já haviam sido virados e revirados. Nada!
- Já sei... No meio do livro. Ah! Aqui está.
Finalmente o famigerado cartão havia sido encontrado. No terminal a frase piscava insistente. “Introduza seu cartão”.
- Onde? Bradou Asdrúbal enfurecido.
- No nariz, cutucou alguém no fim da fila que, por sinal, crescia na mesma proporção da impaciência dos demais usuários.
A senhora gorda e suada que estava logo atrás, arrancou-lhe o cartão da mão e enfiou-o no orifício apropriado do equipamento bancário. Imediatamente a mensagem eletrônica mudou: “Aguarde. Carregando. Retire seu cartão”.
- Arre! Acabei de colocar, porque tirar? Asdrúbal estava vermelho de vergonha e raiva. – Tá! Tirei e daí?
“Digite sua senha” piscava a tela do terminal.
- 27101932.
“Senha Inválida”.
- Como inválida? Foi a ano que nasci. Eu sei o dia de meu aniversário...
Nosso desesperado usuário tentou novamente.
- 27101938.
“Senha Inválida”.
- Vai ver não nasci. Minha mãe pariu um asno.
- Desocupa velho... Gritou um garoto no meio da fila.
- Velho é a P...
O terminal piscava “Senha Bloqueada. Procure Sua Agência”.
- Eu estou na minha agência sua máquina insolente. Primeiro diz que não sei quando nasci, agora, insinua que não sei onde estou. Ora vá para o inferno.
Além dos berros, Asdrúbal desferiu um formidável pontapé no terminal eletrônico que apagou de maneira irreversível.
- Ora, uma maquininha porcaria dessas, insinuando que não sei quando vim ao mundo. Senha inválida! Ora... Ora... Ora... Tome tento.
Asdrúbal estava inconformado. Pior ficou quando o segurança, um verdadeiro “leão de chácara”, o colocou para fora ameaçando chamar a polícia. O homem saiu do banco sem dinheiro embaixo de vaias, apupos e safanões. Estava a ponto de explodir, tal a indignação que sentia. Mas, como trovão sempre traz um raio junto, assim que Asdrúbal virou a esquina, deu de frente com um “38” cano longo, sustentado na outra extremidade por franzino delinqüente com cara de criança abandonada.
- Passa a grana coroa!
- Você tem cartão de banco? Tem senha? Tem mãe? Sabe onde nasceu?
Antes que o gatuno entendesse qualquer coisa, Asdrúbal enfiou o cartão eletrônico em seu bolso e com uma fúria desconhecida gritava:
- Vai lá... Enfia esse cartão no buraco, convence aquela máquina que você nasceu e pode ficar com toda a minha aposentadoria... Aquela fortuna! Não esquece, se conseguir, me liga e diz qual é a Santa Senha.
A pontada foi fulminante, Asdrúbal despencou, tudo escureceu. Aos poucos algumas nuvens foram se abrindo e lá no fundo já se podia ver São Pedro.