Tecla

...Daí que ela acordou e começou a bater à máquina, com os dedos ágeis e o pensamento fluente.

Nenhuma folha jogada no lixo, nenhum erro no texto.Texto perfeito, conciso e ritmado.

Ela estava feliz e gargalhava animada. Batia com os dedos nas teclas e espaçava a vida.

De repente olhou para as paredes sem cor, o piso sem cor e não reconheceu também a sua! Não havia sequer um espelho pendurado...

Para que o espelho? Havia o texto. Quase, por pouco, caiu em desespero.

Olhou para os dedos e sorriu aliviada. Teria que recomeçar, mas de onde?

Respirava ofegante, corria os olhos pelas paredes e tremia. Sentiu-se nua como uma letra perdida ou como uma palavra errada que enfiassem em um acróstico.

Parou. Inspirou lentamente e começou a gargalhar e a chorar...A gargalhar e a chorar.

Agora ela sabia que não poderia terminar o texto. Não havia alí nem máquina e nem papel e nem espaço na vida. Não havia nada conciso e perfeito. Ela era uma letra perdida, uma letra nua.

Aquelas paredes sem cor roubaram sua máquina. Levaram seus papéis. Deixaram no meio a sua história.

Aí, ela deitou-se no chão, olhou para teto e dormiu o sono dos justos.

Rezou para que aquelas paredes lhe devolvessem o que era dela, de verdade.

Só não precisava de um espelho. Não queria refletir. Queria apenas criar!

Magda Ribeiro Botelho
Enviado por Magda Ribeiro Botelho em 04/01/2012
Código do texto: T3422734