Estórias de Bastião

O corte da palha de carnaúba

Naquele tempo, o povo desse vale vivia temeroso de aparecer por aqui um outro bando de cangaceiros como se deu quando o de Lampeão foi expulso de Mossoró. Tudo ainda era muito rural, o transporte precário, as sêcas e as enchentes eram flagelos quase sempre alternando suas aparições de um década para outra, além do mais sertão é sertão e a caatinga que, só existe nesse pedaço do planeta, é quem está ainda aí de prova do que vou dizer.

O corte da palha de carnaúba era totalmente manual, o motor a gasolina ainda não havia aportado por essas paragens, as estradas, quero dizer veredas, eram povoadas por tropas de burro, às vezes um carro de boi e os bichos da selva. O sertanejo vivia do que produzia, para isso os mais abastados possuíam, além da morada, uma casa de farinha, estas eram galpões sem parede onde a mandioca era manufaturada, e colado a ela às vezes um quarto onde era trinchada manualmente a palha sêca da carnaúba. Os apetrechos usados em ambos os serviços ficavam sob a asa da casa de farinha, protegidos da chuva e do sol. No período das farinhadas a animação era bem maior porque, todos se concentravam exclusivamente naquele espaço, homens, mulheres e crianças, diferente do que acontecia na época do corte da palha. Nesse tipo de trabalho, mulher não participava, mas a raspadeira de mandioca, era indispensável nas desmanchas.

Naquele ano, o inverno já tinha se ido e os cortadores estavam começando a amolar as ferramentas. As carnaubeiras dançavam ao sabor dos ventos com a suas maduras e fartas cabeleiras de palha em ponto de corte. Os grupos com tabocas foices e facas, saiam cedo para o local marcado e os transportadores com seus jumentos e burros, pouco tempo depois voltavam com os animais que mais pareciam enormes bichos de áspera pelugem. Chegavam e iam espalhando pelo campo do cercado os feixes da cheirosas palha verde, onde outros trabalhadores as iam estendendo, umas ao lado das outras, sobre o velho bagaço do ano passado que cobria os terreiros perto da casa, ali iam permanecer até esbranquiçarem e o pó se desprender num simples esfregar de dedo.

Os trabalhadores para o corte, eram contratados pelo dono do carnaubal, ali recebiam pagamento, comida e eram alojados na casa de farinha. Os que vinham de longe traziam seus pertences, que consistia basicamente de uma rede, a ferramenta de trabalho e uma muda de roupa pra dormir.

Naquele ano, apareceu um trabalhador desconhecido do pessoal, que se apresentou dizendo vir do Maranhão. Isso podia ser motivo para alguma apreensão, mas o dono da casa era quem decidia se concedia ou não emprego ao estranho. Se chegou dizendo chamar-se Sebastião nascido no interior de Pereiro, Maranhão. Era negro mas, devoto de mãe Marçalina que tinha lhe infundido o gosto pela virtude e pelo trabalho, sabia se colocar no seu lugar e tinha aprendido a respeitar para bem viver no meio do mundo.

O nego Bastião deu mostras de habilidade e se comportou com a devida parcimônia a que se propunha. Naquela primeira noite em baixo da casa de farinha a conversa foi animada mas o cansaço venceu cedo aos trabalhadores. Depois da janta e do cigarro de palha, morfeu os dominou a todos, pois já na hora das raposas, ressonavam e quem sabe até sonhavam com alguma coisa boa que só cada um sabia e podia revelar depois.