A Coleção
 

            - Não deixe essa escapar! – Gritou Anael antes que a enorme borboleta azul fosse capturada certeiramente pela rede.
            - Nossa! Essa é enorme! – Os olhos azuis de Bruna cintilavam vendo a belíssima espécie lutando inutilmente entre as cerdas feitas de pura seda.
            - Ganharemos muito com essa. – Dizia Anael, seu irmão, interessado nas finanças da família.
            - Você só pensa em dinheiro! – Respondia a jovem, no auge dos 16 anos, loira e naturalmente simpática.
            - Sem dinheiro não se faz nada. – Era a defesa do rapaz.
            Após a caçada, seguiram juntos pela longa trilha entre o alto e exuberante capim verde daquela região formada por pequenas colinas baixas que sucediam-se em uma praticamente infinita sequência como se fossem nuvens esmeraldinas.
            No ponto mais alto de algumas daquelas colinas, pequenas casas tortas, com suas paredes de rochas coloridas, rústicas, telhas vermelhas de cerâmica reluzente resplandeciam sob o sol quente e escaldante daquele verão.
            O casal correu até uma casa com porta azul, sendo recebidos grosseiramente por um velho usando um monóculo no olho direito com aros dourados.
            - Entrem capetas! – Ordenou deixando a porta entreaberta enquanto desaparecia para o interior.
            Dentro da morada, dezenas de estantes empoeiradas exibiam criaturas terríveis, pequenos monstros com horripilante aspecto, alguns protegendo os olhos, outros em posição de pavor.
            - Coloquem o que trouxeram sobre a mesa! – Ordenava enquanto se sentava em uma cadeira.
            O casal, abrindo suas sacolas, nelas depositou três lindas borboletas, enormes, uma azul e duas com tonalidades amarelo-arroxeadas.
            - Alguém anda zangado! – Murmurou o velho. Olhou bem os espécimes, pigarreou e soltou:
            - Dou dois pesetos.
            - Dois pesetos? - Gritou Anael. – Isso é um roubo! Elas valem pelo menos 8 pesetos.
            - Sim. Valem oito se você estiver disposto a vendê-los na cidade.
            Bruna olhou para o irmão como a indicar que a oferta, apesar de ridícula, deveria ser aceita. Com o dinheiro em mãos, os jovens saíram rapidamente da casa. O velho, caminhando lentamente, postou a borboleta azul diante de uma espécie de espelho tendo contra o mesmo uma enorme lente de aumento suspensa entre duas hastes metálicas de cobre. A seguir, acendeu uma vela azulada. O feixe de luz da mesma, ampliado pela lente contra o espelho, fez com que a borboleta se agitasse.
            Paulatinamente a imagem da borboleta no espelho transmudou-se mostrando a face de uma linda mulher. O velho, sorridente, disse um nome:
            - Rainha Morena!
            Em seguida, saiu dançando pela sala como se estivesse na posse de um tesouro.
            Três dias depois seguiu para a cidade pedindo uma entrevista com a Rainha. Sendo conhecido pela sua arte, foi imediatamente recebido pela colossal mulher, saída de algum sonho lírico, em trajes exuberantes, embora o longo vestido cravejado por pedras rubras deixasse à mostra uma parte da coxa direita enlouquecendo os homens. Ríspida, já sabendo das intenções do ancião, perguntou:
            - O que queres de mim?
            - Tenho algo de vosso interesse.
            - Quanto me custará dessa vez, seu verme?
            - 300 pesetos.
            - Está louco?
            - Ou isso, ou a senhora sabe...
            - Paguem a esse verme!
            Diante do dinheiro, entregue por um conselheiro de confiança, o ancião retirou-se exultante. Ainda à porta, a Rainha exigiu:
            - Elimine-a já!
            - Seu desejo é uma ordem, majestade. – Disse o velho fazendo uma mesura excessiva antes de se retirar pela gigantesca porta de mogno.
            Antes, visitou mais duas pessoas, com menor poder de posses, tirando-lhe também algo em troca do extermínio das outras espécies.
            Voltando para casa, fora seguido, como sempre, por pessoas interessadas em desvendar-lhe a morada. Viram-no, no entanto, usando dos seus sortilégios, desaparecer misteriosamente dentro de um nevoeiro que surgira do nada.
            Chegando em casa em segurança, o velho colocou o pote com a borboleta azul da Rainha Morena novamente diante do espelho. A mesma, após mostrar o rosto da Rainha, passou a uma mutação poderosa e acelerada. Começou a construir em torno de si, ao emanar uma substância gosmenta, um casulo estranho. Efetuou o mesmo processo com os outros dois.
            Uma semana depois, do primeiro casulo, brotou uma criatura terrível, um pequeno vampiro que deveria, instintivamente, buscar como fonte de alimento o sangue da Rainha Morena e que dela se alimentaria continuamente, crescendo a cada dia, até vê-la completamente exaurida vindo a falecer.
            Enquanto o pequeno vampiro lutava para escapar, o velho soprou sobre o mesmo um pó de um velho livro sagrado, cujas palavras e sabedoria foram esquecidas pelos homens. Quando o pó bateu no vidro, a criatura, como se diante de algo terrível, fechou os olhos e em pouco tempo morreu, ficando mumificada dentro do pote. Colocando o vidro sobre uma das prateleiras, o velho sentou-se em uma cadeira esperando pelo nascimento dos outros seres.
            Apoiou a mão sobre o livro que possuía uma cruz na capa e, embaixo, escrita em desbotadas letras douradas, a palavra: perdão.
            Olhando para o teto, dizia a si mesmo:
            - Ah, as pessoas. Sempre elas, a gerar seus ódios fazendo com que nasçam essas borboletas que transmudam-se em vampiros que terminarão por devorá-las. Assim é o ódio. Parece acolhedor, bonito e inocente no princípio. Em seguida se transforma em um monstro que termina por nos devorar e essa é a natureza da vida. Azar dessas pessoas quanto aos que não consigo eliminar.
            Em seguida, vendo que um dos outros potes liberara outra criatura, levantou-se e soprou-lhe o perdão, a única força no universo que pode eliminar os monstros do ódio...
             

Nota do autor: Certas coleções somente poderiam existir em um Mundo Paralelo...