O HOMEM QUE SECOU

Não sabia ao certo quando começara aquele martírio, o fato é que dia após dia se ressecava, transpirava sua esperança. As forças já lhe faltavam, erguer os braços ou arrastar as pernas eram tarefas árduas que, pouco a pouco, tornaram-se impossíveis. Vivia amuado num canto, sentado sobre a poça de esperança vertida. Ainda se recordava do quanto sofrera, quando emaranhado nos ramos espinhentos de frustrações e perdas constantes. Amargava na essência a convicção de que nascera para a derrota, mas jamais pensou que seu drama chegaria àquele nível de tormento.

Os habitantes do lugarejo iam visitá-lo, a fim de constatar a veracidade do seu insólito infortúnio. Criancinhas endiabradas quebravam-lhe as unhas secas, para brincarem de espetar-se umas às outras; as senhoras da igreja, mal disfarçadamente, examinavam o ridículo volume que seu sexo fazia sobre o pijama (“ele, que era tão viril...” – pensavam); e os antigos companheiros de botequim tentavam reanimá-lo, com lembranças jocosas dos velhos tempos. mas nada o fazia reagir, nem as peraltices das crianças, tampouco os olhares indiscretos e maliciosos das damas religiosas, nem mesmo as tentativas bem intencionadas dos companheiros bebuns. Estava entregue, drasticamente entregue ao definhamento.

E secava... E secava... Perdia litros de esperança em poucas horas! O olhar mortiço fitando o infinito denunciava não suportar mais o sofrimento, queria ir-se embora para sempre o quanto antes! Nenhum valor cintilava naquela vida desesperançada! Com o passar do tempo, junto às gotas de esperança que entornava, passou a perder também raios de sol pelos olhos, partículas de brisa pela expressão doente. Era próximo o seu fim.

Foi na tardinha de sábado. A cuidadora havia deixado seus resquícios secos no jardim, numa tentativa de recuperar ao menos um pouco dos raios solares que perdia pelo olhar e fazer com que respirasse mais dignamente. Depois de alguns minutos, ao buscá-lo, deparou-se com a espantosa imagem: ele se desfez em pó! Um montículo de finíssimos grãos derramados sobre a esperança líquida que exalava um perfume floral delicioso. Sem saber ao certo o que fazia, a mulher cercou-o com varinhas, para evitar que o vento dispersasse o homem que virou poeira, e se retirou. Na manhã seguinte, no lugar em que o deixara, encontrou uma roseira branca, toda florida! Sobre a terra encharcada, uma vida reinventada em estado de rosas.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 12/09/2012
Reeditado em 19/11/2018
Código do texto: T3877813
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