Oito Letras Sem Razão

Oito Letras Sem Razão

Naquela chuvosa e fria manhã de agosto,sexta-feira 13- ele havia acordado tão feliz quanto o rouxinol engaiolado, que ficava na parede do seu quarto. Logo após ter se sentado na cama, intencionado levantar-se, pôs o pé direito dentro do pinico, o mesmo estava cheio de urina. Esboçou um sorriso amarelo na face e disse:

- Comecei o dia bem. Isso pode me dar sorte, bons fluídos, que sorte a minha.

Não deixou o melado incidente aborrecê-lo, olhou-se no espelho e sussurrou para a sua imagem no espelho:

- Hoje eu acordei tão bonito.

Observou assim, apesar da cor mórbida de sua pele do rosto, com fundas cadavéricas abaixo das maçãs de sua face, olhos fundos, de olheiras profundas. Parecia ser um cadáver ambulante, ou um doente terminal de aids. Falou:

- Hoje eu acordei tão bonito.

Exibiu um sorriso amarelo, quase marrom, e disse:

- Sorriso Colgate.

Saiu do banheiro com com passos lentos, arrastados, disciplentes. Abriu a janela do quarto, e observou:

- O dia está tão lindo.

Chovia bastante, o céu estava cinza. Aspirou, aspirou o ar daquela manhã e mais uma vez falou:

A manhã está com com cheiro de jasmim.

Havia uma fossa entupida, exalando fedor de merda próximo do seu quarto. Fechou a janela para conter a chuva. Recolheu o jornal decorado com alguns pingos de chuvas no papel amarelo. Leu as seguintes notícias:

“ A inflação ameaça voltar, o desemprego, também. A Europa está quebrada e ameaça a economia mundial. O Congresso Nacional poderá criar novos impostos, e aumentar os salários dos deputados. Aluguéis sobem. Há sinais de corrupção em todos os setores do governo brasileiro. Os culpados nunca são punidos e o dinheiro roubado não aparece. Portugal fechas as portas para os imigrantes brasileiros. O tráfico de drogas toma conta das famílias brasileiras. Morre mais gente de acidentes de carro no brasil do que a somatórias de guerras, como a guerra do Iraque e do Vietnã. Noventa por cento dos brasileiros têm cárie dentária. De cada 10 brasileiros, pelo menos 9 já foram assaltados. Morre mais gente de tiro no Brasil do que nos EUA. As epidemias retornam do passado retornam a afetar o Brasil:cólera,sarampo, tuberculose,febre amarela,febre tifoide,meningite,escorbuto,verminoses,doença de chagas. As doenças sexualmente transmissíveis assolam a vida do brasileiro, o governo faz vistas grossas.”

- Boas notícias, boas notícias. Eu estou adorando ler.

Continuou na sua leitura:

“ Milhares de crianças no Brasil morrem antes de completarem cinco anos de idade, de desnutrição. Milhares de crianças ficarão sem escolas no próximo ano letivo, por falta de reformas nas escolas. Mais de 30 milhões de brasieiros não sabem ler ou escrever. O jovem brasileiro não gosta de ler livros, e muitos não lêm um único livro por ano.”

Fechou o jornal. Jogou-o no chão, com simulacro de sorriso, disse:

- Eu amo o Brasil, país mais movimentado não há. Somos os melhores no futebol, e em turbulência e miséria.

Foi tomar um banho. Havia faltado água-, quando estava completamente ensaboado. Enxugou-se com uma toalha encardida, onde uma barata estava pousada. Trocou de roupa e saiu do quarto. Seguiu pelo longo corredor com o seu particular andar de pantera-cor-de-roa. Cruzava com pessoas de caras emburradas. Cumprimentava a todos, dizia:

- Bom-dia Hitler,bom-dia Saddam Hussein. Bom-dia Margareth Teacher. Naji Nahas, PC. Bom-dia Collor, Pinochet. Bom-dia Deng Xiaoping. Li Peng, Lennin, Stalin. Fidel Castro. Bom-dia Bush, presidente.

Um dos seus passa-tempos prediletos era apelidar os seus companheiros com os nomes das figuras mais detestadas pela humanidade.

-Eu adoro esta casa.Não entendo o por quê de ficarem emburrados, de mau-humor.

Vários olhares o fita-lo, com ódio. Ele seguiu com o seu andar de pantera, admirando a suntuousidade do prédio.

- Como esta casa é bela, como tem nobreza. Com passos lentos, chegou ao jardim, ou que restava dele.

- Como são belas as árvores secas do jardim, e até acho que a falta de folhagem e de flores o deixa até mais belo.

Sentou-se num dos bancos de cimento – que estava molhado, da chuva. Um companheiro sentou-se ao seu lado.

- Boa-tarde.

Disse o homem para ele.

- Mas ainda é manhã. O certo é dizer bom-dia.

- Eu sei disso, mas eu odeio dizer bom-dia, então, prefiro dizer boa-tarde.

Ele não quis estender a conversa.

- Gosta de música?

- Valsas de Strauss.

- Mas, como? O hit da moda é o pagode.

- Passa-tempo aos domingos?

- Leio livros,os grandes clássicos da literatura, principalmente a marginal.Henry Miller, Ginsberg,Kafka,Hemingway, Paul Valéry, Rimbaud,Jack Kerouac, Burroughs,Pound,Montaigne,Baudelaire...

- Nossa, as pessoas la fora lêem Contigo, Semanário, Carícia...Paulo Coelho.

- Problemas deles, loucos...

-E esta casa?

- Gosto daqui, o mundo la fora é louco, muito louco.

- E as drogas?

- Tomou conta de tudo.

-Nunca curtiu?

- Era viciado...

- Em quê?

- Xereca. Adorava cheirar. Nossa como metia, hoje em dia nem chupo mais.

Deram uma gargalhada sonora – outros companheiros pararam para observar.

- Eles la fora, os loucos é que gostam de maconha, crack, po.

- Bebia, fumava?

- Louco, nunca. O cigarro mata e a bebida é um mal que se instala de forma silenciosa, quando menos se espera, já é um alcóolatra. Graças ao primeiro gole é que existe o AA. Bebida é coisa la dos loucos, do lado de fora.

- E o carnaval?

- Virou uma guerra. Vi as cenas pela tv do carnaval de Salvador. Virou uma festa para os ricos. Encheram as ruas de camarotes e de blocos de trio. O povo fica espremido. Apanham da polícia e dos vagabundos que malham o ano todo nas academias e nas academias de boxe para ir esmurrar os inocentes. Gosto não, coisa dos loucos la de fora.

- Bem, foi um prazer falar com você mais uma vez Capeta.

O outro não gostava daquele apelido. Levantou-se irritado do banco. Ele também se levantou para continuar o seu passeio. Continuava pelo jardim. Chegou até ao portão. Admirou o muro alto, e la, em letras garrafais na entrada estava escrito as oito letras sem razão:

HOSPÍCIO.

fim

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 23/12/2012
Reeditado em 09/05/2014
Código do texto: T4050589
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.