A Pintura das Formigas

As trilhas das formigas e as estradas dos homens.Deve haver algo em comum.A partir deste pensamento o Sr. Rumoaldo Cunha pintara seu mais belo e admirado quadro de toda sua vida, o que jamais vendera, e há quase quarenta e dois anos focalizava os olhares de quem entrasse na sala de estar.Ao girar do ponteiro voltaremos para a pintura.

Aldo Cunha, como era conhecido,nascido no sertão, interior do Mato Grosso do Sul.Não conseguiu desfrutar de seu talento como artista cedo; desde menino seu pai o levava para os cortes de madeira, dava-lhe a foice nas mãos e o incubia de cuidar da preparação e limpeza de toda a redondeza onde iriam se arranchar.Mas o tempo passa, o rio corre, os ventos e as chuvas vem e chegamos no mar.E era nesse “mar” onde o anteriormente roçador podia hoje mergulhar.Os cabelos já eram grisalhos, é bem verdade, mas a mentalidade e o brio da alma humana refletiam a toda hora em seus olhos.Tinha conforto e riqueza nas calejadas mas habilidosas mãos.

Da mulher nascera apenas um filho, herdeiro certo, por nome Antunes, prestes a completar vinte e nove primaveras.Se trabalhava era por vontade própria, dizia que tinha personalidade forte, porém até o momento se queixava de não ter obtido os objetivos de seu interesse.Decidira então fazer o que fosse preciso para tal conquista.

Um dia, sem cerimônias, demonstrou ao pai o desejo de comprar uma parcela da grande propriedade de eucaliptos.A resposta foi simples:

-Querido filho, de forma alguma teria capacidade de cobrar de você migalhas que fosse pela parcela.Se realmente quer investir, como disse, em um novo trabalho, tem meu apoio para utilizar o terreno que o melhor parecer útil..

Quando meio que feito um choque o despertou, suspeitando o pior, indagou:

-Mas, a propósito, o que pretende fazer com uma terra tão densa e fechada de árvores??!

-Aí é onde está a jogada do negócio pai, vou vender a madeira dos eucaliptos!!

O olhar de pai e mãe disse tudo.

Naquela noite os pensamentos de um homem lúcido manteriam os olhos e a mente abertos afim de refletir; a infância e os desencontros, cruel realidade.Apesar de pincelar paisagens e transmitir puros cenários, tristemente percebia que era incerto o percurso e provável destino da vida humana.

­­­­-Como pode se tratar de um investimento, já que resultará na destruição do que nos proporciona beleza, ar puro e bem estar??!Raciocínio típico de quem já aprendeu que só se colhe o que um dia plantou-se.

Na distância de alguns amanheceres, lá estava o decidido entretanto enganado rapaz, desferindo os golpes a machado no tronco, aparentando imaginativamente surrar um declarado inimigo.Sem que compreendesse o motivo, sentia como se toda a força que punha nos braços voltava a ele em um tranco violento, pagamento de revoltados.E o Sol castigava-lhe os pecados..

-Filho, a todo instante você está derrubando e rejeitando aprendizado e pensamento; sabe, aparenta-se mais a um avançado robô tecnológico, que desempenha o seu papel com maestria, e que embora sendo considerado grande invento não tem capacidade suficiente para realizar aquilo que realmente é preciso.Você já viu um robô contemplando o pôr do Sol, assistindo a chuva cair da janela do quarto, ou humildemente colorindo o branco de uma tela de pintura, que suplica para decifrarmos os enigmas abraçados às estrelas e Lua; toda essência que compõem os elementos e as almas.

Entenda o leitor questões filosóficas, poéticas ou psicológicas.Precisamos ainda de conversas humanas.Simples diálogos, sorrisos e olhares..Virtudes de carne e osso.

Dois homens conversam, e por breves mas nobres instantes esquecem parentesco, falando feito dois irmãos no sofá da sala.

Ouvindo o que dizem, as formigas do quadro se entreolham:

-Está vendo minha amiga, é por isso que digo ser mais feliz com o que sou e tenho.

Simples assim.Nós e nossas vidas de insetos...

Suspeito sair um tanto ao estilo; mas haveria regras para a arte??

O velho amador pincelou um mundo na tela que quase certamente só pra ele existe; e talvez aparente-se em pureza com o que Deus no princípio criou.

Escritor Gilmar Santos
Enviado por Escritor Gilmar Santos em 12/04/2013
Código do texto: T4236709
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.