Dimensões

As horas parecem voar. As pessoas reunidas.Diversas garrafas de bebidas. A conversa vai da nostalgia a futilidade. A mesa repleta de rostos que se conhecem tentam demonstrar conhecer. Sorrisos pincelados de falsas risadas. Uma névoa toma conta do ambiente, como se abrissem alguma espécie de máquina que fabrica nuvens. A noite se torna ainda mais densa, ocultando aquelas formas. Ouve-se o ruído das vozes e aquelas risadas forçadas. O hálito de álcool é soberano. Olhares se cruzam como uma afronta necessária. A mesa desordenada. O drink é oferecido e recusado, o mesmo ato de repete, com ofertas e recusas, desde as bebidas alcoólicas, quanto os refrigerantes que suam sobre a madeira.

O carro sai em busca de vagas, rodopiando por vagas já preenchidas. O percurso segue, na tentativa de um lugar onde possa estacionar. Apenas um motorista que é o único passageiro. As voltas são tantas que está no topo de uma montanha. Preso ao pico, açoitado pelas corredeiras, que descem de forma magistral. As pedras parece grudadas em suas mãos. Os olhos evitam olhar abaixo. As águas agora parecem suaves, a ponto de acariciar a pele. Está sem camisa, mas não parece molhar as roupas de baixo. Solta uma lasca de pedra e arremessa contra o precipício. Nesse momento, se dá conta da altura, temendo aquela imensidão que se perde, se desespera. Imagina que antes estava à procura de vagas. Só pode ser um sonho, ou melhor, um pesadelo. Resolve arriscar. Se for um sonho, não poderei morrer. Fecha os olhos e vai deixando o corpo escorregar, curvando-se, sentindo a rocha contra as costas. Bem devagar.

Abre os olhos. Está sentado em uma espécie de pátio. A lata de cerveja nas mãos. Se levante e caminha por entre dezenas de camisas pretas. Um show de rock está acontecendo. Sua camisa é observada pelas outras pessoas. Também se veste com uma banda estrangeira. Caminha sobre bancos e segue em direção ao estacionamento, na tentativa de encontrar o carro que imagina ter deixado em algum ponto daquele lugar. As vozes das pessoas vão ficando distantes. A cabeça parece se fechar em pensamentos que esmagam as lembranças. Pensa na necessidade de ir até sua casa, trocar a camiseta por uma mais agressiva. Segue caminhando, pois acredita que não deve estar longe de casa. Desiste de procurar o carro. Segue as faixas de sinalização de trânsito, evitando os carros que andam em marcha contra os pedestres.

Dá dois passos e se vê diante de um cemitério. Pessoas cantam e dançam, como nos antigos rituais funerários. Os mortos parecem fazer parte da festa, desfilando suas feições cadavéricas. Um senhor se escora em uma pá, como se não tivesse mais utilidade para cavar aquele solo duro. Escorre um petróleo chorúmico, fazendo com que as lágrimas dos olhos gotejem escuro. Um menino assovia, atirando pedras, na tentativa de acertar uma cova ainda aberta. Um caixão aberto escorado contra a parede serve de portal para a capela, onde velas queimam sem derreterem suas ceras. No alto, um pássaro voa tão alto que não conseguem distinguir qual a sua espécie. As pessoas ficam hipnotizadas observando aquele vôo, como se tudo ali estivesse em suspensão, a ponto de cair a qualquer instante.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 13/06/2013
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