Onírico

Estava sentada numa cadeira a falar. Dirigia um filme. Que filme era aquele mesmo? Não se sabe. Um longa qualquer. Enfim. Mas que belo! Tinha um bom enredo. Era repleto de cores. Duas pessoas se conhecem, se gostam e decidem ficar juntas: nada propriamente original ou espantoso, porém belo. Ora, mas que alegria quando soube que, além da direção, ocupava também um dos papéis de destaque! Era possível? Sim, ela era a moça. Não só a moça, mas também quem estava por trás da moça, do moço, das árvores do cenário, das falas, dos gestos, das roupas, da música, da luz. Todo e qualquer detalhe ali presente não lhe poderia escapar. Estava tudo sob controle, tudo em ordem.

Agitava os braços, enérgica, falante, alegre. Saía e entrava em cena, freneticamente. Nada acontecia ali sem que lhe fosse avisado. Ora vestia-se como a atriz, ora como diretora: era as duas. Harmonicamente as duas. E sentia-se completa, feliz. Beijava o moço; ajeitava a iluminação; trocava o cenário; mudava o vestuário; criava as cenas; mexia na trilha sonora; dava continuidade ao enredo. Dirigia o filme com primazia.

Até que viu mais de perto: suas roupas! Mas que vestes eram aquelas? E que estava ela fazendo no alto? Ali, escondida atrás do cenário? No meio das cortinas? Por que ninguém a via? Onde estava seu destaque, seu belo vestido, sua cadeira, microfone?

Ah, mas que utopia. Ela não dirigia, não contracenava: ela estava apenas filmando o longa. O cenário, o som, a luz, as vestes, as cenas, o moço e a moça não lhe pertenciam mais.

Permaneceu ali, então, no alto do palco, observando tudo à distância.

Dona Iaiá
Enviado por Dona Iaiá em 09/10/2013
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