A GUERRA DO FACEBOOK

Tudo começou com as girafas. Ainda há quem se lembre disso. Uma charada besta, de resposta extremamente fácil, dada a lógica e o óbvio despiste. Você acertava, seu nome ia para um inútil Hall of Fame e ninguém se importava. Você errava, e tinha de trocar por três dias a sua foto do perfil pela de uma girafa. Uma brincadeira inócua, não deveria fazer nem mal nem bem. Mas, então, por que tanta gente se incomodou? Críticas, ironias e sarcasmos causaram rompimentos de amizades virtuais e reais. Algumas brigas que começaram na rede social terminaram ao vivo e em cores. Boletins de Ocorrência foram feitos, agressões verbais e físicas, pessoas perdendo a cabeça. E amigos. Alguns, de verdade.

O tempo passou, e as coisas foram se aquietando. O assunto entrou e saiu dos Trending Topics do passarinho azul, “girafa” já não era a palavra com maior acréscimo exponencial momentâneo. E houve macacos e outros bichos, em variações da mesma brincadeira, mas nada que fizesse estragos maiores que comentários ridículos (mas isso existe nas redes desde sempre). Logo, tudo seria esquecido... se não viessem os pandas.

Uma brincadeira parecida, mas resposta errada obrigava a pessoa a trocar a foto do perfil pela de um panda. E aí a coisa ficou feia pra valer.

Os insultos passaram a ser mais grosseiros. As brigas (reais) mais violentas. E quando a primeira pessoa foi assassinada, todos perceberam que tudo havia fugido ao controle. À primeira morte seguiram-se outras. E não apenas no país onde as pessoas surtam e saem matando. Até mesmo no “país tropical, abençoado por...” aconteceram homicídios. Que evoluíram para verdadeiros atentados terroristas, alguém que queria matar um desafeto por causa da foto do panda não hesitou em explodir a pessoa num restaurante lotado.

Quando você acha que as coisas estão ruins no máximo, elas mostram que ainda há como piorar. Os talk shows, na suposta intenção de debater o assunto e achar soluções, potencializaram a catástrofe, os programas de reportagem, alegando o exercício do sagrado dever de informar, idem. E então surgiu O Grupo.

Um punhado de hackers que bagunçava os perfis dos pandas, chegando mesmo a deletar sumariamente alguns deles. Havia também crackers que, saindo do ambiente virtual das redes, aprontava no mundo real: contas bancárias esvaziadas, sequestros, assaltos a residências... O Grupo, aparentemente, visava apenas bens materiais. Mas o que queriam os componentes d'A Trupe? Contrariando a própria definição autointitulada, não eram comediantes ou artistas. Eram assassinos, pura e simplesmente isso. Matavam pandas. Ou melhor, as pessoas que trocavam as fotos pelas desses animais. E publicavam na timeline dos defuntos, nas línguas de cada país em que agiam: “Chega desses bichos”.

Alguns ainda lembram dessa época. Foi por isso que as redes sociais sofreram a Intervenção. Foi por isso que deixaram de ser gratuitas (as que eram) e passaram a ter cadastros rígidos com verificação da veracidade das informações prestadas, e consequente punição aos falsos testemunhos. Nada mais de colocar nomes falsos ou pseudônimos, ou de informar erradamente a cidade natal, o emprego, qualquer dado, enfim. Foi assim, lembram algumas pessoas em 2019, que tudo começou. A censura na internet. Os arranjos políticos dos governantes para cercear a liberdade dos internautas.

Tudo começou com um maldito bando de girafas...

(Celso Moraes F, halloween de 2013)

CELSO MORAES
Enviado por CELSO MORAES em 05/01/2014
Código do texto: T4636919
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