De Saco Cheio

Luis vivia de saco cheio. Reclamava de tudo. Se ia para escola, dizia estar de saco cheio em fazer isso todos os dias. Na sala de aula, estava de saco cheio com os colegas, o professor, as lições. Em casa, vivia de saco cheio com os pais, irmãos. Quando comparecia em festas, ficava isolado e de mau humor. Utilizava tanto essa expressão que muitos diziam que ele que era um saco. Certo dia percebeu que seu saco escrotal crescia. A coisa foi se avolumando, parecendo tomado por uma caxumba. Mas os exames não detectaram nada. O menino tinha o saco tão grande que parecia um puff. Ele até se sentava em cima na sala de aula, já que não havia mais como se posicionar nas cadeiras convencionais. Mas isso estava longe de ser confortável. Quem tem saco sabe o quanto dói o mínimo atrito naquela região. Imagina jogar o peso em cima. O garoto acabou ficando enclausurado. Quando saía pelas ruas causava uma euforia na população curiosa da pequena cidade onde morava.

Toda essa situação fez com que ficasse ainda mais chateado e proporcionalmente, o saco crescia. Passou a carregar o saco com as bolas e tudo mais, sobre os ombros, o que era um tremendo fardo. As pessoas diziam, “lá vai Luis e o seu saco”. Sentiam piedade pelo garoto, embora alguns dissessem ser castigo por tanto resmungar. Evitava contato fora de casa, pois acidentes aconteciam. Feito um dia em que um carro em alta velocidade fez um pequeno pedaço de pedra se deslocar e ir voando acertar o saco de Luis, que sentiu uma dor do caralho, que dizer, do saco, e foi levado chorando para sua casa. não conseguia namorar, já que assustava as pretendentes com seu volume. Vivia cabisbaixo e fizeram uma campanha para arrancar ou tentar diminuir o saco do guri. Ocorreu mobilização nacional e os fundos arrecadados custearam as despesas do tratamento, que incluía intervenção cirúrgica. Foram horas de cirurgia e a surpresa, ao rasgarem o saco e vislumbrarem uma gosma purulenta, que contaminou o centro cirúrgico.

Todos haviam avistado a gosma infecciosa. Mas Luis, conseguiu enxergar perfeitamente cada momento de reclamação em sua vida. Via correr por entre aquela gosma, suas caras de repulsa diante dos meninos da escola, dos professores, dos pais, dos avós e todas as outras vezes que se manteve de braços cruzados e bufando de raiva. Era uma parte de sua vida escorrendo. Os testículos se salvaram e disseram que na comprometeria sua capacidade de reprodução. O excesso de pele foi retirado e o saco voltou ao tamanho pequeno, que é o normal na idade do menino. Sofreu com as dores e em sua memória ficaram registradas as angústias. Deixou de se irritar por qualquer coisa e procurou viver de forma mais alegre. Voltou a frequentar a escola e foi recebido com festa. Passou a namorar e a bater cartão em eventos sociais, fazendo amizades e se tornando popular. Sua auto-estima aumentava tanto que o ego começou a fazer seu peito inchar. Mas isso não o incomodava, as meninas gostavam do seu porte e continuo sendo inflado.

Acabou acordando um dia com o peito imenso, feito peito de pombo e o restante do corpo pequeno. O coração não aguentou ser comprimido daquela forma e explodiu, matando Luis de parada cardíaca. No seu enterro, como forma de homenagem, as pessoas levaram balões e bexigas e os fizeram voar, enfeitando os céus. Tudo ocorreu mesmo com o alerta do corpo de bombeiros sobre riscos de queimadas por conta dos balões com chama dentro. Mas todos estavam mais preocupados em marcar aquela data. A cidade ficou conhecida como “Cidade dos Balões” e todo ano existia um festival de balões, com prêmios e comilança. Luis acabou sendo esquecido e a festa virou atração turística, visando a contribuir com novos mandatos dos governantes municipais. Alguns mais antigos até contam a história, mas os novos acreditam ser uma lenda urbana e aproveitam a festa que só ocorre uma vez a cada ano.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 20/03/2014
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