Proibido para ser ilegal, ilegal para ser proibido. (ou “uma longa viagem num banco de praça”)

Franklin se lembrava claramente como havia começado com o cigarro. Ficava andando pelo quintal de sua casa depois da aula com uma lupa nas mãos que tinha o formato de uma folha de papel A4 de uns 3 milímetros de espessura que ganhou de presente de uma tia em alguma data comemorativa, lá pela quarta série do ensino básico. Ficava lá, ao meio dia, queimando qualquer objeto que encontrasse. Um dia encontrou uma guimba de cigarro. A distância entre pegar e experimentar era mínima, tipo a que fica entre os olhos e a tela da TV com algum filme bom ou as corridas do Ayrton Senna. Depois disso vieram os cigarros feitos com o resto da madeira que sobrava nos apontadores, enrolados numa folha de caderno. A princípio esses cigarros serviam para fazer uma campanha para que seu pai parasse de fumar. Isso tudo foi incentivado pela Polícia Militar que nessa época realizava uma campanha contra as drogas nas escolas. Realmente, aquilo ali lhe inspirou, naquele tempo que ainda existiam propagandas educativas contra a existência da heroína. O cigarro de resto de madeira do apontador enrolado na folha de caderno era colocado na boca de uma caveira, um brinquedo que resistiu às faxinas etárias de sua mãe, um boneco de uma antiga coleção da Estrela baseado na série de desenho animado dos caça fantasmas. Na mão dele colocou um cartaz feito com um palito de fósforo com um pequeno quadrado de papel colado que continha a expressão “Não fume” escrita a lápis. Pouco tempo passou, e da boca da caveira o cigarro passou para a dele. Seu amigo quando experimentou disse que aquilo ali era uma invenção, que poderiam falar com o pai dele que tinha um mercado. Alguém deveria avisar a Souza Cruz afinal. Mas Franklin não estava nem aí pra isso, só queria mesmo fumar um cigarro de madeira que sobrava no apontador quando a casa ficava vazia. Isso durou até ele começar a fumar fósforo, uma técnica já antiga que poucos conhecem, muito prejudicial à saúde, mas que não precisava de casa vazia.

Quando Franklin se lembrava da polícia e sua institucionalização como uma entidade pró ativa que a cada dia ficava mais próxima da realidade das comunidades brasileiras ficava orgulhoso, pois passaram a incentivar aposentadorias de empresários do ramo funerário de todo o país. A maioria vive hoje em locais paradisíacos, praticam vários esportes e seus filhos passaram a produzir, comercializar e exibir programas sobre esportes radicais na rede fechada de TV através de três empresas diferentes. “Movimentar a economia é bom”. Mas isso Franklin pensava quando estava fumando cigarro com algo diferente de sobras de madeira de um lápis e enrolados com o guardanapo da padaria.

A empresa de sacos plásticos, fornecedora oficializada do Instituo Médico Legal, nos termos da presente lei da época, legalizada, que respeitava a legislação trabalhista e o meio ambiente e produz até hoje o plástico verde com polietileno de origem não fóssil, oriundo da cana de açúcar e do seu departamento de pesquisa, desenvolvimento e inovação, dos anos de páginas de livros, das cervejas, do investimento no aluguel e do esforço do profissional que durante anos teve aulas na faculdade com professores que tiveram um passado semelhante, lucrou muito nessa época. Mas na época que Franklin pensava isso ele fumava o mesmo fumo da época que enrolava algo diferente de sobras de madeira de um lápis enroladas com o guardanapo da padaria., agora enroladas com a celulose que estavam vendendo nas bancas de jornais e revistas, bares, mercados como o do pai de seu amigo, tabacarias e padarias.

Os canaviais já foram objeto de interesse para os que queriam para si o desenvolvimento do país. Os que os conquistaram pelo acidente do nascimento alavancaram a economia e hoje são a grande promessa. Mas os proprietários ficaram frustrados porque já o são há muito tempo e muitas gerações e mesmo assim não quiseram se aposentar pois “já tinham visto de tudo” diziam, mas não todos os números. E os filhos dos empresários que não queriam se aposentar porque queriam ver o que criaram crescer como um filho, passam as férias com os seus amigos, filhos dos empresários do ramo funerário que se aposentaram e hoje moram em lugares paradisíacos que têm filhos que gravam filmes e estes que têm pais que viram números suficientes pela vida e não querem ver de tudo. Apenas os lugares paradisíacos. Nessa época Franklin não fumava, ao invés disso falava pra todos que tinha dado um tempo.

Mas desde um tempo remoto, desde a época que os proprietários dos canaviais de usina ainda não tinham sido informados que eram a grande promessa mas já o eram desde que tinham nascido, na época em que a polícia já era próxima da comunidade mas quase ninguém sabia, quando o departamento administrativo através do setor de compras do IML não precisou solicitar uma abertura de licitação pública para indústrias fornecedoras de sacos plásticos pretos, porque os pesquisadores do departamento de pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e inovação ainda não tinham sido informados pelo setor de comunicação que o plástico preto contrastava melhor nas fotos das capas dos jornais, cada vez mais recorrentes, que anunciavam o resultado da pedagogia militar e que esse espaço poderia ser usado como uma propaganda bem simbólica, sem custos para a empresa e com um público alvo considerável, Franklin já era acusado de financiar tudo isso e não sabia que tinha tanta gente pensando nele há tanto tempo. Mas do cigarro de sobras de madeira de lápis que ficam no apontador ninguém nunca fala, só de Franklin e Adão, seu amigo milenar.

A heroína ainda existe, descansa em paz e em alguns lugares vive vida gratuita como propaganda de um mundo melhor.

* os fatos descritos acima ilustram a loucura do autor e refletem apenas o branco de sua camisa de força. Qualquer semelhança com a realidade é mera confusão da cabeça do leitor e, diga-se de passagem, de sua inteira responsabilidade.

** o contrato do emprego da vírgula tal qual conhecemos foi rescindido no período de experiência sem demais ônus ao empregador.

*** Yan e Bruno, obrigado pela “salva”.

Chorinho Inconsequente
Enviado por Chorinho Inconsequente em 03/08/2014
Reeditado em 03/08/2014
Código do texto: T4907846
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