Quando meu presente desapareceu.

Fazia apenas um ano que havíamos nos mudado para aquele singelo e solitário edifício construído a pouquíssimos metros do mar. Seu nome nos remetia sempre aos contos de fadas: “Esmeralda”. Muitas vezes brincávamos que vivíamos isolados em uma torre de esmeralda, meu príncipe e eu. Nós nos sentíamos protegidos, aconchegados e intocáveis ali. Tínhamos passado por dias difíceis e lutas nada românticas, mas conseguíramos manter acesa a chama que marcou o início de nosso relacionamento. Estávamos tão felizes e esperançosos que eu temia acordar de um sonho.

Decoramos nosso pequeno apartamento com carinho, colocando em cada detalhe um traço de nossa personalidade e da alegria que vivíamos até aquele momento.

Era quase impossível estarmos vivendo aquela situação, parecia mágica e o tão sonhado felizes para sempre se fazia presente em nossas vidas.

Alguém me disse certa vez que eu estava morando no lugar que pedi a Deus. Me vi respondendo que na verdade não era o lugar que eu pedi a Deus, pois eu não era tão ousada.

Nosso prédio ficava em um estreito de terra litorânea, entre o mar e a serra do mar. De um lado se vislumbrava a serra coberta pela espeça vegetação de mata atlântica, em uma área preservada. Na maioria dos dias a serra ficava coberta por uma densa neblina, o que lhe dava um ar misterioso. Do outro lado o mar aberto de ondas bravias e espumosa. As gaivotas viam se esquentar nas manhãs frias sob o sol e eu, ficava horas e horas contemplando aquele horizonte gigantesco e impressionante. Sempre sentia um friozinho na espinha, e ao me ver tão insignificante frente a exuberância da natureza.

Em meio a essa visão edílica, vivíamos como quem sonha.

Até que em uma noite de tempestade vi nosso mundo vir abaixo. Um vento uivante e tenebroso rugia violento, sacolejando as vidraças. A chuva desnorteada batia nas janelas com violência. O paraíso estava se desfazendo. Olhei pela janela do quarto e vi a água tomando o andar de baixo. O mar havia adentrado a calçada e a avenida que passava em frente ao nosso prédio, recém construído, e praticamente inabitado. Desci correndo as escadas, abri a porta da frente com dificuldade, enquanto uma rajada de vento forte me assolava o rosto. A noite parecia mais escura que o costume, nenhuma lâmpada acesa e por um momento me senti extremamente só. Não havia nenhuma pessoa na rua, apenas a água do mar brilhando no escuro, e a rua alagada refletia a escuridão da noite. Corri em direção contrária ao mar, a fim de escapar da violência da água que se aproximava com estrondoso rugido , como se fosse o monstro horripilante dos meus pesadelos infantis. Corri, corri sem parar e sem olhar atrás. Temia por algo desconhecido, temia por minha vida, temia pela solidão que sentia. Corria enquanto pensava nas pessoas que eu amava. Onde estariam todos. Porque eu estava sozinha, justamente nessa tenebrosa noite. Parecia que estava vivendo um pesadelo, e que, a qualquer momento acordaria em minha cama quente e tudo ficaria bem. Uma neblina molhada pela chuva fina toldava-me a visão, que já era reduzida pela escuridão. Não sei chovia ou se a água que me molhava inteira era trazida pelo vento forte soprando as águas salgadas do mar bravio em minha direção.

Estava correndo contra a neblina espessa, quando me dei conta que não sabia para onde correr. Comecei a caminhar mais devagar, tentando me situar, saber onde estava. Andei em linha reta paralela a orla e parei para ver as edificações, queria saber se estava longe de minha casa. A neblina se desfez e num repente a luz voltou e pude ver que havia me distanciado do edifício. Mas com certeza não havia ido tão longe, e não entendia porque não conseguia enxergar o alto prédio de apartamentos que eu morava. Queria voltar para lá, mas não o enxergava mais no horizonte, andei em direção a praia novamente. E o mar, agora visível e tranquilo estava de volta aos seus limites. Senti um alívio enorme, mas a confusão mental em que me encontrava não me abandonava. Onde eu estaria? A sensação era de que havia me transportado através da neblina espessa a uma dimensão estranha. Não havia ninguém nas ruas, e a tempestade que a poucos minutos me fizera correr, não deixara rastros. Nem uma poça sequer. Estaria enlouquecendo? Vi em uma das casas uma senhora que varria tranquilamente a calçada. Me aproximei dela sentindo-me estranha e surreal. Cumprimentei-a com um sorriso, e fui dizendo que morava vizinha dela, no prédio ao lado. Ela me olhou sem entender. E perguntou: Que prédio? Não há prédios por aqui. Somente casas. Qual casa você mora? Não. Respondi quase gritando, mas me contendo ante a situação estranha em que me encontrava. Moro no Edifício verde, chamado Esmeralda, nosso porteiro é o Fabrício. Ela, com uma expressão de espanto e impaciência no rosto, e desconfiada de que estaria falando com uma louca, disse-me caminhando até a esquina e apontando para as ruínas de uma obra inacabada e a muito abandonada. Aquele é o único prédio que tem na redondeza e ele nunca foi terminado. E pelo que sei, sim existia um vigia chamado Fabrício, mas ele morreu afogado, faz uns 10 anos já, e prédio jamais foi terminado.

Uma onda de torpor tomou conta de mim, me senti absolutamente sozinha, sem rumo, sem presente. De uma hora para outra minha vida havia se perdido em algum ponto e eu não sabia para onde retornar.