719-O BAU DE OSSOS-

Juju, a vizinha bisbilhoteira andava implicada com o mistério do baú de dona Vilma, colocado no pequeno cômodo que era ao mesmo tempo sala e cozinha. Quase todos os dias, a vizinha passava para um dedo de prosa com a amiga, que de uns tempos para cá se mostrava meio que diferente.

Desde que arrumou aquele baú, a Filó ela tá esquisita, sim. – pensava. Havia perguntado o que era, mas a amiga desconversou. Ainda vou descobrir o que tem dentro do baú.

Era um baú retangular, de uns quarenta centímetros de alto, tampa plana com uma vela apagada.

Uma tarde, quando Vilma saiu para a pequena área externa dos fundos do barraco, Juju levantou um pouco a tampa e se assustou. Pela fresta, iluminada diretamente pelo sol da manhã, pode ver ossos e uma caveira humana!

O susto foi tamanho que ela deixou a tampa bater e saiu depressa do barraco.

É macumba! Só pode ser.

Falou com o marido, que logo avisou a polícia.

Dona Vilma, mulher simples, recebeu os policiais com calma. “Quem não deve não teme”, ela dizia sempre que a polícia dava batidas ali na favela.

— Abre o baú dos ossos — ordenou rispidamente o policial.

A mulher, miúda e envelhecida, tirou a vela da tampa e abriu o pequeno baú. O cabo Silvério, apesar da experiência de longos anos de trabalho na polícia, ficou surpreso.

— O que é isto? Ossos de gente? A senhora tá presa.

— São ossos do meu... — começou explicando mulher.

— Não tem explicação. A senhora vai se explicar mas é com o delegado. Elias, pega o baú e põe na viatura, junto com a velha.

Juju, que espiava pela porta, saiu dalí correndo a espalhar a notícia de que “Vilma foi presa, os poliças levaram ela e o baú de ossos”.

Na delegacia, dona Vilma, resignada, pois já passara por muitas situações assim, explicou ao delegado:

— É a ossada do meu filho.

— Mas devia estar enterrada no cemitério. — afirmou o delegado.

— Pois teve. Desde que morreu, morto por uma bala perdida, ficou enterrado no Cemitério da Paz. Cinco anos. Fui chamada no cemitério, porque o prazo de ficar enterrado tinha acabado. Eles iam desenterrar meu filho e queimar os ossos. Não queria que meu filho fosse queimado, desaparecesse assim. Intão, perguntei se podia levar ele prá enterrar em outro cemitério. Me disseram que sim, que podia. Então, peguei os ossos prá levar pro outro cemitério, mais perto daqui da favela, onde eu podia até visitar todos os dias.

Ela deu uma parada, suspirou, como que tentando esquecer as agruras pelas quais passara — e estava passando. .

— Ai tudo complicou. Tive de pagar cento e cincoenta reais para pegar o documento dos ossos. Era tudo o que tinha de economia. Não tinha mais dinheiro para comprar um lugar no outro cemitério. Pensei intão “Levo os osso pra casa, guardo comigo até ter dinheiro pra comprar um lugar no cemitério.” Coloquei naquele bauzinho, que tinha ganhado de minha antiga patroa, e já tenho cincoenta reais de economia, prá comprar um lugar no cemitério. Falta muito, acho que uns duzentos, duzentos e cincoenta.

— E cadê os documentos da retirada dos ossos? — perguntou o delegado.

— Tão no fundo do baú, num envelope embrulhado com prástico.

O delegado examinou os papéis: atestado de óbito e o comprovante de pagamento par a retirada dos ossos dos restos mortais do Cemitério da Paz.

— Estão em ordem. Já que a senhora tem a papelada em ordem, não cometeu nenhum crime. Só recomendo que a senhora apresse o enterro dos ossos no cemitério.

— Sim, seu dotor. Mas tá tão difícil.

— E guarde o baú num lugar mais discreto. Que os vizinhos não fiquem bisbilhotando.

— Sim, seu dotor. Vou por debaixo da minha cama.

— Sem vela acesa. Pode pegar fogo.

— Sem vela, seu dotor.

— Cabo Silvério, leva a dona de volta pro barraco dela.

Juju viu quando Filó chegou de volta, e os guardas desembarcaram o baú, que foi levado prá dentro da casa. Viu que não ficou na sala, mas foi levado para o quarto de Filó.

Juju, a vizinha fofoqueira, foi a primeira a querer saber da história. Quando soube, ficou roxa de raiva. A denúncia tinha sido inútil e a fofoca acabara. A cabeça confusa e a pouca inteligência a levou a uma bizarra conclusão:

— O mundo tá perdido! Agora todo mundo vai poder trazer os mortos para dentro de casa.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 09 de março de 2012.

Conto # 719 da Série 1.OOO HISTÓRIAS.

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 19/03/2015
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