A Melodia

Algo me acordou de um sonho confuso. A melodia não estava... e... Ernesto corria sempre. Eu gostava de passear a beira-mar. As ondas batendo na areia. Música para os ouvidos. Agora tudo é estranho e novo. E só. Meus sussurros saem aos berros. Emoldai Tneroes. Quando durmo, sonho com uma pessoa me falando isso. Acordado, ela não vem. A melodia. Ernesto? Aqui é frio, e não há sol, mesmo com a janela aberta. Alguém ai? Chamei a morte algumas vezes, mas ela nunca veio ao meu encontro.

O coração apertado e uma saudade de qualquer coisa esquecida em algum lugar desta cabeça confusa. Tão dolorido no íntimo, chorei. Não sei quanto tempo estou aqui. Tudo em mim estava errado. Mas não sou capaz de revelar com clareza alguns detalhes. Pode haver no mundo algo que vença em mim essa vontade de morrer? Já que encostei o copo nos lábios, bebo até o fim. Ouço a melodia. Ernesto? Será um devaneio? Há alguém que escute meus sussurros?

Um cheiro doce e pegajoso pelo quarto. Ruído de vozes, gritos longos e estilizados. Portais se abrem e vagueio por uma paisagem imensa. Alguém? O sino ressoou em algum lugar. Ou dentro de mim. Minha alma está disfarçada de sentimentos confusos. Pela janela, vejo a neve cair sobre as calçadas e no meio da rua deserta. É o que me resta. “Havia num porão uma criança, de seis anos de idade. Despertou certa manhã no chão frio e úmido. Coberto com seus trapos velhos tiritava”. Pedaços de mim deixados num canto e esquecidos entre as folhas de um livro. Nas docas da insônia e em pálidas esperanças, tento achar a melodia. Exilado em mim mesmo e com o olhar perdido, um doido que busca a sabedoria, que provou o sabor da amargura. Um homem que procura o respeito a si mesmo.

Aconteceu de repente e sem que eu o tivesse desejado. A razão é uma coisa excelente e eu a perdi. Lá fora, a neve ainda cai. Ernesto? Alguém? Onde estão todos? Fico apenas com minha inteligência doentia. Jamais fui capaz de sonhar com algo real. Não falo coisa com coisa e minha cabeça dói. Alguém ai? Depois de tantos anos, o que querem de mim? Nada tenho a oferecer.

Sinto um aperto no coração e minhas mãos tremem. Escuto as ondas quebrando na areia. Ele vem chegando, depois de eu tanto chamar. A melodia não estava pronta, mas agora... uma música singular... e Ernesto brincando na água. Me olha e eu me vejo criança. Corre ao meu encontro. As ondas quebram de manso na areia. A melodia.

Vou novamente passear a beira mar.

Rodrigo Barcellos
Enviado por Rodrigo Barcellos em 31/03/2015
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