Chapéu Mangueira.

Uma perna, outra perna, tanto esforço num caminhar trôpego, balançava, debruçava-se nas paredes. E a cada vertigem, a cada gota de suor frio uma mensagem de que o fim estava próximo.

Chapéu, ex-escravo, alguns dizem que nascera numa terra chamada Brasil, já outros que vivera seus causos numa civilização futura, com naves espaciais, castigada pela disputa entre impérios e pelo domínio de raças. Não importa, importa um elemento único, o sofrimento de chapéu! Seu pai trabalhara por anos servindo aos mais ricos, perdeu sua força, seu vigor, aos poucos, abandonara a capoeira. Arte que fez questão de passar para o filho, arte que eternizou Chapéu Mangueira.

Tanta coisa, Chapéu, tanta estrada, mas tanto pó... E uma hora a vida bateu alertando que era preciso ir à luta. O que fazer então? Há rumores de que tentou ser engraxate, conversou com os homens mais influentes da cidade. Por vezes, humilhado, mas há quem diga que também conspirou ataques nucleares. Pois é, tantas lembranças, a velha camisa desabotoada e os suspiros que recebera de quase todas as moças da região.

No entanto, chapéu sentia-se oprimido, não havia um lugar para chamar de lar, apenas as ladeiras de seu morro, caminhos nefastos de sua solidão, um encosto para seus momentos de embriaguez. Naquela época pouco podia fazer um homem como ele, ao fim de noite, restava somente sussurrar alguma antiga canção, e vacilar entre as valas abertas. Ali, onde o fétido odor da cidade era espantado por um trago no cigarro e um gole em sua inseparável garrafa de cachaça!

Certo dia, em meio a uma profunda ausência de sentido, todas as coisas pareciam indecifráveis para a mente de Chapéu. De fato ele precisava sair, logo, ele enviou e-mails, sinais de fumaça, códigos estelares... Ah, como berrou pelos guetos daquela terra de ninguém! Todavia, havia apenas duas possibilidades mudar-se ou trazer a mudança para aquela região inóspita. Quem sabe seu brado ferisse os ouvidos daqueles que semeavam a perversão e o preconceito? Acreditar fazia-se preciso, mas para chapéu aquela era uma terra de ninguém, de crianças crescendo sem pais(z), de homens se entregando a derrota! Tudo por conta de um eterno pesar, uma eterna incerteza, um abismo na certeza de ter um jantar.

Todavia, não tardou e seus sinais foram recebidos, e vários homens reuniram-se armados nas ruas. Os primeiros saques foram um sucesso, o primeiro embate uma surpresa lendária, tão furtiva. Pois, nada se anunciava naquelas esquinas, dinheiro fácil, satisfação garantida nas panelas dos casebres de Saturno. Entretanto, dias depois, o grupo de Chapéu fora encontrado no bar estação espacial pela polícia. E como costume antigo eles foram repreendidos por uma densa rajada de balas, mas também era costume antigo pagar balas com pernas. Pernas que bailava com a morte, era mais do que uma dança... Ouvi-se um grito...

_Chapéu Mangueira!

Cinco policiais mortos!

Mas, é claro que Chapéu Mangueira também tinha uma nega, uma Teresa. Alguém para mostrar o outro, para contar histórias, para afogar a cabeça num dia cruel. Todos os homens sempre necessitaram de um peito, colo amigo. E Chapéu adornava sua Teresa com flores, realizava churrasco de hambúrguer de ovelhas espaciais. E fretava naves intergalácticas, mas sempre voltavam ao pé do morro para conferir o domingo, a feira que acima o esperava, as frutas os sabores, os odores... Os odores. Chapéu precisava parar na barraca de chouriço, olhar a carne espumar, ter seu mimo de bom moço, afinal, a lida era pesada e à hora certa... Seria agora? Para ele a hora certa sempre foi o agora, torresmo, cachaça, uma nega, um apreço, um morro, um samba uma rivalidade.

De fato a animosidade apenas crescia para Chapéu, tantas rivalidades crivadas nos muros daquela Mangueira, xingamentos, ameaças de morte. Pobre Chapéu, aquele Chapéu que fora herói e recebera tantos amigos em casa, ouvira tantos problemas da gente simples do morro agora era um bandido procurado. Até que num dia qualquer após uma desavença de bar surgiu a ideia de deixar aquela favela, se precipitar pelo cosmos, perder-se nas auroras boreais. E foi numa dessas linhas do tempo sem nenhum cruzamento, sem nenhum resgate do passado que chapéu decidiu trilhar seu destino.

Nesta noite seu mim fora uma cerveja filada no bar, quem tem amigo não morre pagão e no final das contas, de repente, só mais um cigarro. Um conhecido a frente, um flerte com a prostituta da esquina, seu antigo caso. Razão até de um estresse corriqueiro com sua lady Teresa. Mas, nesta noite Chapéu precisava seguir, havia uma força que o convocava a seguir. Dispensara todos os seus comparsas mais cedo, precisava andar sozinho. As pernas estavam tão trôpegas, os becos tornavam-se mais largos, inteligentes, se estreitavam. E aquele gato mexendo na lixeira? Mais um susto, um novo cansaço! Sinal vermelho não dá tempo para pensar! Cinco homens... Chapéu rezou o terço, rezou o terço... Ouviu-se nas ruas.

_ Chapéu Mangueira.

Já não o viram mais na terra! Confrontou-se com seu último percalço, esbarrou com a derradeira das horas? Não se sabe, tornou-se mito, tornou-se lenda neste vago, vago... Rio de Janeiro, ou, seria terra de ninguém?

Buendia
Enviado por Buendia em 29/04/2015
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