O Oleiro Pagão

Atenas é uma metrópole como poucas. A antiga cidade-estado grega é um centro comercial e cultural desde seus primórdios. Suas ruas movimentadas demonstram um cotidiano fervoroso de seus cidadãos. A algaravia das ruas se faz ouvir por toda a cidade. Mas um ponto dela, e pelo que parece o único, é pacífico e silencioso.

A pequena olaria, afastada do centro pulsante da maior cidade da Grécia Antiga, hoje apenas mais um território do grande império de Teodósio I, funciona há muitos anos. Vivenciou gerações de oleiros da família de Nestor, atual dono do lugar que funciona a olaria e o ateliê dele. Um lugarzinho afastado do barulho e da movimentação.

Nestor é apenas mais um bizantino entre tantos do gigantesco império. Com a diferença de ser um artista nato. Além de ser um oleiro especializado em fazer vasos, ele os pinta com figuras e histórias do politeísmo grego, já reconhecida como uma religião pagã depois da adoção do cristianismo por Teodósio. Suas pinturas são clássicas representações das imagens que eram comuns aos gregos da antiguidade. Hoje, ele é apontado como um velho senil que quer viver no passado; tem até um apelido devido ao seu ofício ultrapassado e a atual visão sobre essa parte da cultura grega: Oleiro Pagão. Por causa de sua fama, e também pela proibição do imperador a “adoração” dos ícones gregos, o pobre bizantino não vende nenhum vaso há algum tempo e está quase falido e sem ter o que comer. Mesmo assim, Nestor não desiste de sua laboriosa função de rememorar os deuses antigos.

Certa noite, após horas de trabalho duro em seus recém terminados vasos, Nestor foi deitar-se e, em sonhos, foi visitado por Morfeu. A princípio, não acreditara nos próprios olhos que insistiam em ver o homem seminu que lhe aparecera, dizendo ser o próprio filho de Hipnos. Mas logo ele percebeu que se tratava de um sonho e passou a crer que era apenas fruto de sua imaginação. O deus disse que os outros haviam o enviado com uma mensagem e um convite para ele.

Morfeu, que mais parecia com uma das pinturas de Nestor, emanava uma energia espectral, quase sólida, diferente de qualquer coisa que o artista já havia visto. A sua voz retumbava pelo espaço infinito em que eles se encontravam. Em dado momento do sonho, Morfeu falou ao sonhador:

- Nestor! Acredite! Assim como tu moldas o barro, eu sou o moldador de sonhos, conhecido como Morfeu. Nós, deuses gregos, estamos mortos. Mas tu revives a nós todos os dias em teu local de trabalho. Por isto, convido-o a se juntar a mim em uma viajem até o Olimpo, para cear com os deuses.

Após uma oferta irrecusável como esta, o Oleiro Pagão assentiu com a cabeça em acordo com o deus. Morfeu agarrou a mão de Nestor e partiram volitando o espaço sideral. Quando estavam em sobrevoo, o bizantino podia ver os planetas do sistema solar, os conhecidos e desconhecidos de sua época. Imaginou que estavam indo em sentido contrário, pois não viajavam em direção à Terra, e sim iam em direção a um ponto bem iluminado da galáxia. Quanto mais se aproximavam, mais o brilho ficava intenso e menos Nestor conseguia enxergar. Quando a sua visão se acostumou à claridade, conseguiu distinguir o imenso monte com templos gregos construídos em toda sua extensão. Percebeu que Morfeu não o convidara a ir ao Monte Olimpo que ficava na Terra, mas sim à verdadeira morada dos deuses acima do firmamento terrestre. Ele ficara maravilhado com a visão daquele verdadeiro paraíso.

Chegando ao topo do monte, desceram e foram até o templo de Zeus, onde todos os deuses se reuniam naquele momento. À mesa, Nestor distinguia cada deus pelos traços de suas pinturas. Na cabeceira da mesa, o pai dos deuses, senhor dos raios, Zeus. Sua esposa, Hera, estava à esquerda e, à sua direita, Ares. Seguiam eles, Poseidon e Afrodite, Atena e Apolo, Artémis e Dionísio, Deméter e Hermes, Héstia e uma cadeira vazia e por último, Hefesto. Nestor então fora convidado a se sentar na cadeira que não estava ocupada e a se servir do que quisesse do banquete que estava posto à mesa. Ele assim o fez. Comeu, bebeu e conversou com os deuses por horas, até se satisfazer por completo.

Quando já estava se despedindo dos seres que estava tão acostumado a pintar, eis que chega Hades, com fúria e lançando brasas para todos os lados. Ao avistar Nestor, esse aponta o dedo para ele e diz:

- Tu, verme infame, ousastes a se assentar em minha cadeira e a comer da minha comida? Tu pagarás esta afronta com a tua alma.

E com um aceno, transportou Nestor para o Tártaro, para o alto de um precipício, e o jogou no Rio das Almas logo abaixo. Ao cair nas águas do rio, sentiu as forças de seu corpo se esvaindo. Lutando pela sua vida, em um último esforço para tentar se defender, Nestor gritou ao deus do submundo:

- Eu não deveria acordar agora?

E Hades assim o responde:

- Não, tolo mortal. Você está em casa agora.

Dias depois, uma senhora que costumava comprar vasos de Nestor, sua única cliente fiel, faz uma visita ao velho homem com o intuito de ver se ele estava bem, já que não o via em seu oficio de moldar e pintar vasos há alguns dias.

Ao entrar pela pequena cabana, deparou-se com vários vasos com pinturas inacabadas e argila ainda a ser moldada no torno do oleiro. Admirava algumas obras já completas, quando sentiu um cheiro forte vindo de dentro de um dos quartos, o quarto de Nestor. Abriu com sua franzina mão a porta somente para se deparar com o homem morto em sua cama, já em estado de decomposição. Pelo que parece, o pobre homem morrera de inanição há alguns dias, deixando apenas um grande legado de vasos clássicos.

Gustavo Alves Ribeiro
Enviado por Gustavo Alves Ribeiro em 15/08/2015
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