O Cachorro que Sabia Falar (remake)

Não era dos mais belos, possuía uma cabeça desproporcional ao tamanho do corpo, soltava pelos por todos os lados, sua língua era comprida e derramava espessos filetes de saliva. Nem ao menos servia para caçar, pois suas pernas cansavam-se rápido e as presas fugiam facilmente. Entretanto, acabou por descobrir algo em si que todos os outros cães não tinham: a capacidade de falar. Seu dono, que antes não lhe dava valor, ficou surpreso ao ouvir suas primeiras palavras, tratando logo de ensina-lo outras.

Sempre que alguém o visitava, rapidamente, com toda a exibição, chamava o cão e pedia para que ele falasse. Seja lá quem fosse que passasse lá, se surpreendia com aquela estranha habilidade do animal; que aprendia rápido, passando a falar mais fluente e tendo horas de conversa com o dono.

O cachorro nunca esteve tão feliz, adorava poder falar, pensava que era isso que sempre o faltou para chamar a atenção do dono e firmar tal amizade. E em certos momento, chegou até mesmo a demostrar certo grau de superioridade diante dos outros cães, os achando mesquinhos por não poderem também falar.

Boatos e mais boatos surgiam, comentavam sobre o cão, alguns afirmavam simplesmente que o cão falava, outros que um demônio possuirá o bichano, tem até mesmo aqueles que afirmavam que era tudo um truque de mágicas feitas pelo dono. Independente de qual boato tenha sido, foi parar no ouvido do dono do circo da cidade, que foi até a casa do homem comprovar tal história.

Ao chegar lá, o dono ficou animado com sua vinda, com um sorriso no rosto levou o visitante até a garagem que o cão ficava, pediu com todo carinho que ele falasse. Abanando a calda, sentindo todo o amor do mundo, fez o que o dono pediu. O dono do circo ficou abismado, nunca em sua vida havia visto ou ouvido algo como aquilo; e não havia duvidas, não era um truque, saberia reconhecer caso fosse um. Assinou então um cheque, mostrando-o para o dono do cão, que ao ver a quantia, exibiu um sorriso ainda maior.

Assustado, o cão foi levado até o circo, o trancaram dentro de uma jaula escura e sem nenhuma coberta ou pano para se confortar. Chorava baixinho, não queria que os outros cães ouvissem - quais ficavam nas gaiolas aos redores -, seria uma vergonha demostrar tristeza, logo ele que era superior a aqueles pobres caninos. Então por que chorava? Por que derramava tantas lágrimas? Era por causa do dono... ele queria a companhia de seu amigo.

Com o amanhecer, foi servido de ração; não era tão ruim, porém, não sentiu vontade de comer, parecia ter um cheiro estranho, algo que fazia seu estomago revirar. Não sabia como os outros cães conseguiam comer aquilo com tanta voracidade. Mais a tarde, o mesmo homem que lhe levou para aquele lugar, o tirou da jaula, colocando uma coleira em seu pescoço. Sem opções, acompanhou o homem, indo até um palco enorme, donde podia ver uma multidão de pessoas sentadas em fileiras e em meio a penumbra - diferente do palco, este era bem iluminado por holofotes que apontavam diretamente até o cão. Havia um microfone em sua frente, e já sabendo o que tinha que fazer, começou a falar.

Achou aquilo até mesmo interessante, gostou de como as pessoas reagiam diante de seu talento, era engraçado e até mesmo confortante, aumentava seu ego. A noite dormia na jaula, de manhã e de tarde falava, isso todos os dias. No começo só falava, depois passou a decorar textos que lhe eram recitado, até começar a conversar com as pessoas da prateia. Do prazer, foi para a angustia e o cansaço. Sempre que falava algo errado, ou respondia a prateia de maneira não adequada, recebia chicotadas. Também não aguentava mais falar, falava tanto que certo dia ficou roco; e esse foi o dia que mais apanhou, sendo o espetáculo do dia cancelado.

Sem voz e com o couro pintado de vermelho, deitou-se ao fundo da jaula, onde gemia e chorava baixinho. Dessa vez, seu choro não era baixo de vergonha dos outros cães, mas sim porque suas cordas vocais não tinham força para reproduzir qualquer barulho audível. E por mais que lhe doesse as costas, os motivos da tristeza eram outros: lembrava do dono, de como sorria quando descobriu seu "talento".

Noutro dia, ao ser levado novamente até o palco, observou as pessoas em sua volta. Enfim, pensou: "Eu queria ser um cachorro normal". Ao anoitecer, sem chorar ou choramingar, mordeu a própria língua e morreu engasgado com o sangue.

Endriu Costa
Enviado por Endriu Costa em 25/09/2015
Reeditado em 25/09/2015
Código do texto: T5394544
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