HOTEL

- Dona Eulália o boy já trouxe a minha passagem?

- Ainda não senhor, mas ele já está a caminho. É o trânsito dessa hora. Está tudo travado como de costume e também por conta da greve.

- Que greve dona Eulália?

- Dos aeroviários. O aeroporto está tomado pelos grevistas e as ruas interditadas. Os voos estão suspensos até que as empresas negociem com o sindicato.

- E há alguma garantia que isso se resolva rápido? Eu preciso estar no centro de convenções de Curitiba amanhã as nove da manhã.

- Vamos aguardar mais um pouco. Eu estou tentando fazer o check-in, mas parece que o sistema foi tirado do ar. Seu voo está marcado para dez da noite. Vai dar tempo, o senhor vai ver.

- Dona Eulália, pense comigo. Daqui do escritório até Congonhas, em dias normais levamos mais de uma hora. A senhora mesmo me disse que está tudo travado e já são sete e vinte da noite. Fale com a agência de viagem, transfira a data da passagem para daqui a trinta dias porque eu vou sair daqui agora e vou de carro.

Dessa reunião depende a nossa continuidade no mercado. Eu não posso me dar ao luxo de ligar para o pessoal e dizer que não estarei porque as empresas aéreas estão em greve.

- Daqui até Curitiba são quantas horas de estrada?

- São quatrocentos e poucos quilômetros, mais ou menos seis horas.

- E o senhor vai só?

- Vou.

- Não é melhor chamar um motorista? O senhor já passou o dia todo trabalhando, pode estar cansado e dormir se não tiver com quem conversar.

- Por Nossa Senhora dona Eulália! A senhora parece a minha mãe com esses cuidados excessivos. (risos) Não se preocupe porque eu estou acostumado a passar as noites em claro nas reuniões sociais que Linda me leva quase todos finais de semana para ouvir aqueles caras barrigudos contando vantagens e tomando whisky. E nessas rodinhas de conversas eu fico calado, fazendo caras e bocas para arranjar alguns negócios lucrativos.

- E a sua roupa?

- Está na mala do carro.

- E o senhor vai jantar o quê?

- Vou jantar naquele posto de estrada que tem lá em Registro. Mais alguma pergunta?

- Não senhor... Por enquanto, não. (risos)

O trânsito esteve como uma tartaruga sonolenta por toda área central. Melhorou um pouco na Marginal e fluiu normalmente no Rodoanel.

Enquanto ouvia Nana Mouskouri, Albino pensava na possibilidade de vender sua prensa de tijolos para todo o Brasil.

A febre de construções em todas as regiões estimuladas pelos programas sociais de aquisição de moradias era um campo a ser explorado ao máximo.

A sua fábrica tinha capital instalado para produzir duzentas máquinas por mês e caso necessário, com a implantação de mais um turno, poderia dobrar essa marca.

Só dependeria das siderúrgicas cumprirem as entregas, coisa fácil de acontecer porque os tigres asiáticos estão com as unhas recolhidas, estão parecendo mais gatinhos de pelúcia, incapazes de fazer movimentos que abalem o mercado de insumos industriais.

Que som terrível é esse meu deus?

Esse clarão?

Isso tudo é raio?

Será que vai chover? Se chover vai ser melhor para dissipar a neblina.

Lá está o Graal, vou parar para jantar se não dona Eulália vai reclamar que eu não estou me cuidando.

Com licença senhor... Esse povo fica na frente e parece que é surdo, a gente fala e não atende.

O risoto está bom, mas o filé, nunca foi filé e as batatas fritas são da semana passada...

Agora mais essa. Estrada fechada por causa de acidente.

Mas eu conheço um atalho que vai me deixar na estrada velha.

Espero que não esteja muito esburacada.

Quanta ilusão!

Se a via principal está mal cuidada, claro que essa aqui só poderia estar nessas condições de pós bombardeio de guerra.

Falta pouco para Curitiba e com essa chuva forte eu acho melhor me abrigar nesse hotel velho. Amanhã logo depois que clarear eu volto para a estrada principal e chegarei cedo para a convenção.

Nunca pensei que um hotel pudesse ficar assim, entregue às baratas e com funcionários tão mal humorados.

Aquele velho da portaria não deu uma palavra e a mulher sentada na poltrona da recepção parecia mais a múmia de Tutancâmon.

Amanhã logo cedo vou sair desse pardieiro.

Nem vou querer o café que deve ser horrível, se for semelhante aos funcionários do plantão noturno.

Aquele rapaz que queria carregar a minha maleta deve fazer uns cem anos que não come, está magro demais, só tem pele e osso na cara.

Realmente não vou conseguir dormir nesse colchão cheio de molas velhas.

É melhor me estirar na poltrona porque vou ficar com a coluna prejudicada por essa porcaria.

Droga!

O relógio não despertou, já é dia claro e essa droga marcando uma e cinco. Logo hoje a pilha resolveu acabar.

Cadê o telefone desse apartamento? Não tem telefone no quarto, mas eu preciso saber a hora.

Esse corredor parece não ter fim...

Não lembro de que lado eu entrei no quarto...

- Senhor, por favor, para que lado fica a recepção?

Velho surdo. O idiota me olhou e entrou no quarto sem dar uma palavra...

Eu lembro que entrei no elevador... Onde ele está?

Ali. Achei-te porcaria velha. Essa grade precisa ser lubrificada.

Eu nunca sei para que lado deve-se girar a maçaneta para subir ou descer.

Também esse elevador deve ser de mil e oitocentos e bolinha...

Para esquerda desce, para direita sobe. Mas só funciona se a grade interna também for fechada e cadê a grade interna?

E agora a grade externa emperrou.

Me tirem daqui!

Estou preso no elevador!

Diacho, ninguém atende. Onde se meteu todo mundo?

Vou virar essa maçaneta com toda força.

Esse troço há de funcionar ou quebrar de vez.

Eu tenho a impressão que estou em andar errado.

Não havia carpete quando entrei.

Tinha uns tacos de madeira soltos empilhados no canto.

- Ainda bem que encontrei o senhor. Para que lado fica a recepção do hotel?

- Não sei dizer não moço, eu fui contratado para pregar esses tacos e entrei por ali.

- Quer dizer que se eu for por ali chegarei na entrada de serviço?

- É, pode ser. Eu penso que é. Também se não for, o senhor volta porque a camareira está naquele lado ali.

Eu nunca vi hotel com tantas portas, tantos corredores e tão mal cuidado.

Esse cheiro de coisa podre, de queimado, essa fumaça que aparece e desaparece nesses corredores sem ventilação, embolorados, fedorentos...

Alguém devia tirar essas flores velhas desses vasos que só servem como criatórios de mosquitos...

Esse som de pratos...

Devo estar perto da cozinha.

Acho que é naquela porta com dois círculos de vidro.

- O café será servido a partir das sete horas, por enquanto o restaurante está fechado...

- Eu não quero café, eu quero saber como chegar à recepção...

- Siga nesse corredor da direita. Use o elevador e pare no térreo.

- Que andar é esse?

- É o segundo subsolo. Daqui só sai usando o elevador ou as escadas.

- E para que lado ficam as escadas? Não quero ficar preso no elevador outa vez...

- Siga por esse corredor da esquerda. Quando chegar no salão verde, a escada está à direita. Cuidado porque tem degrau solto e o senhor pode cair...

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Na manhã dessa terça feira todas as emissoras de imprensa falada escrita e televisionada da Capital e região de Registro, veicularam a notícia do acidente na BR 116 envolvendo duas carretas, um caminhão tanque e dois veículos de passeio.

As câmeras de segurança gravaram o momento em que uma das carretas invadiu a pista contrária e se chocou com o caminhão tanque transportando 35 m³ de gás natural liquefeito.

A potência da explosão ocorrida na primeira hora dessa madrugada, fundiu a câmera e carbonizou instantaneamente todos os envolvidos.

Ainda não se sabe o número de vítimas, mas sabe-se que não houve sobreviventes.

Notícia do jornal A HORA desta quinta feira:

Foi identificado entre as vítimas carbonizadas no terrível acidente da BR 116, o corpo do engenheiro Albino Maués, empresário do ramo de máquinas para a construção civil.

Sempre atuante na sociedade paulistana, Albino Maués de 40 anos deixa viúva a dona Linda Maués (37) e os filhos Albino Jr. (9), Pedro (7) e Amanda (5). A cremação dos seus restos mortais será em cerimônia reservada aos familiares...