Sensatez

Eu costumava ser Meio Louco, mas um dia fui mais que meio, por isso passei uma temporada no manicômio da cidade, lá não era um lugar no qual se planeja passar férias, mas mesmo assim eu me conformei com aquele ambiente. Por sorte o nosso doutor era gente boa, nós o chamávamos de Dr. Alfeu, eu gostava de conversar com ele, me distraía bastante, ele também era Meio Louco, só que mais inteligente e desenvolvido do que eu.

Os internos nem sempre eram agradáveis e nem sempre eram desagradáveis... Eram loucos, inconstantes, mas mesmo assim eu ainda encontrava com quem conversar. Haviam os Loucos Totais, que não sabiam quem eram e não falavam uma frase que fizesse sentido (aparentemente); Loucos Fantasma, pouco falavam, apenas andavam pra lá e pra cá a maior parte do tempo, as vezes nem isso; alguns eram Meio Loucos como eu, só depois de algumas frases era possível descobrir sua loucura; por fim, tinham os Loucos e Meio, esses eram rebeldes, se achavam injustiçados de estarem ali, eram sãos aos seu próprios olhos, eles tomavam a medicação mais pesada.

Certa manhã, acordei e fui para o pátio, Dr. Alfeu sentou-se ao meu lado e me disse que eu estava bem e apto a sair de lá, eu relembrei que já tinha dito antes que desejava sair quando estivesse realmente pronto, ele mais uma vez me confirmou e disse que assinaria minha declaração de sanidade e acrescentou que confiava em mim.

Eu pedi para que ele me permitisse ficar até a manhã do dia seguinte e ele assentiu. Sai com apenas uma maleta na mão, estava tenso, o tempo todo pensava em como seria viver num mundo de “sãos” sem ser rebaixado, além disso, por mais que eu gostasse do Dr. Alfeu, retornar me parecia assustador.

Tive que parar para comer em algum lugar antes de seguir viagem pra casa, estava nitidamente desacostumado de viver numa sociedade diversa, observava a todos e não falava com ninguém, entrei num pequeno restaurante, sentei na última mesa vazia, fiz o meu pedido (as palavras saíram rasgando-me de dentro pra fora) e fiquei aguardando. Até que um indivíduo, muito bem vestido, sentou-se a mesa comigo e também fez o pedido, enquanto isso, eu esperava apreensivo que ele não me falasse nada, mas falou, disse coisas sobre a comida do restaurante, elogiou a gestão do atual prefeito, criticou o aumento do preço do quilo de arroz, e eu apenas assentia através de gestos curtos, até que ele começou a perguntar sobre a minha motivação interior, depois da pergunta pensei: Ufa! Esse cara também é Meio Louco! Pois quem em sã consciência se interessaria por esse assunto logo de primeira? Talvez fosse provável que eu o respondesse da melhor forma e passasse conversar aliviado, de igual para igual, mas ao contrário, me fiz de desentendido, falei das calorias do prato, lhe contei umas duas vantagens e me despedi. Lá fora de coração pesado, estranhando a minha própria atitude, a consciência me acusava com uma questão: Se estou curado, será isso a sensatez?