NÉVOA*

Caminhava por entre as brumas. Uma névoa tão espessa que parecia ser possível cortar com uma faca. Distinguiu mesmo assim ao longe três vultos. Gritou:

-Ôh de casa! Licença! Vocês podem me ajudar? Estou perdido.

Permaneceram em silêncio. Continuou a caminhar. Ao chegar mais perto viu que eram dois homens e uma criança. Um deles veio em sua direção. Mesmo quando ficou na sua frente não conseguiu visualizar o seu rosto. Mas sabia, sem saber como, que aquele era ele. Só que com apenas trinta anos. Este cuspiu com desprezo em sua cara:

-Como pode fazer isso comigo? Virou-se e sumiu na neblina.

Sentiu uma tristeza funda, envergonhada. Nos últimos dez anos havia desperdiçado quase todas as oportunidades que a vida lhe proporcionara. Profissionais, acadêmicas, pessoais. Não restava ninguém que o amasse que não houvesse magoado.

Perdido nessas elucubrações, não viu o outro adulto se aproximar. Assim como no primeiro, sabia ser ele com vinte anos. Ele lhe deu um abraço cheio de amor:

-Obrigado pela vida maravilhosa que você me dará! Soltou-o e seguiu, se esvanecendo dentro da fumaça branca.

Começou a chorar. Lembrou-se da antiga desesperança. Da profunda solidão da adolescência. Daquele carcere de si mesmo ao qual parecia estar condenado.

Foi em direção do menino. Não estranhou ver-se como quando tinha apenas dez anos. A criança sim, o olhava admirado e feliz:

-Meu, que da hora! Eu vou ser igualzinho ao meu pai!

-Acorda amor! Acorda!

-Ãh. Que foi? Que foi?

-Você estava tendo um pesadelo. Quase me derrubou da cama.

-Ãh, sério?

-O que você sonhou? Ficava gritando: Não corre não, moleque. Vem aqui que eu vou te matar.

Aristoteles da Silva
Enviado por Aristoteles da Silva em 18/08/2016
Reeditado em 29/03/2022
Código do texto: T5731832
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