PARTE COM O DIABO

Ninguém sabe dizer como foi que essa história de Juca Silvério, que era pedreiro em Santana do Mato, ter parte com o diabo, mas o fato é que todo mundo sabia que ele era o melhor e mais rápido pedreiro da redondeza.

Quando teve aquela chuva que derrubou a parte da frente da igreja com campanário e tudo, faltando menos de um mês para a festa da padroeira, o Pe Clemente foi a casa dele para contratar o serviço, aí ele disse que se o padre pagasse quinhentos contos e providenciasse o material, ele botava tudo aquilo de pé antes do dia da festa.

O Padre fez um chororô da gota serena, mas ele sequer arredou uns réis. Ou pagava o que ele queria ou a festa teria que ser feita com a igreja caindo aos pedaços.

Aí as beatas danaram-se a fazer rifa e leilão de tudo quanto é coisa, o padre visitou todos os endinheirados donos das fazendas, donos das lojas, falou com o bispo, o diacho até que arranjou o dinheiro para a mão de obra. Faltava o do material, aí foram os paroquianos que se juntaram para comprar os tijolos e o cimento porque a areia já estava sendo tirada do riacho Maravilha, nessa época do ano, seco que só língua de papagaio e que não tinha juntado água nem com a chuva braba.

Juca Silvério pediu dois ajudantes só para ele e outros tantos que se dispusessem a limpar a área, arrastando o travejamento, restos de reboco, telhas e tijolos quebrados. Ele queria tudo limpo para poder trabalhar sem ter que parar, de vez em quando, para fazer a limpeza. Acabaram de derrubar as paredes comprometidas e no primeiro dia Juca Silvério mandou que misturassem um caminhão de areia com a primeira carrada de cimento.

Os dois ajudantes só faltaram perder os braços e Juca virado num raio, não tinha no mundo quem conseguisse juntar mais de cinco tijolos junto dele.

As latas de massa eram trazidas e antes mesmo de terminar de despejar, Juca já estava usando numa velocidade que juntou gente para ver.

Juca Silvério falou com o padre para mandar aquela gente toda sair de perto porque estava atrapalhando o serviço.

Com dois dias, os ajudantes foram dizer ao padre que não queriam mais trabalhar porque nem conseguiram dormir de tão cansados que estavam e Juca nem parecia que estava trabalhando como uma carrapeta, não tinha nem suor no sovaco da camisa vermelha com estampa preta, de manga comprida, que ele não tirava do couro de jeito nenhum.

Seu Pedro da cooperativa emprestou uma betoneira e os ajudantes que limparam o local foram destinados a manter cheia a caixa de massa, junto de Juca, mas foi mesmo que nada, quando eles vinham com as duas latas para despejar na caixa, a viagem anterior já tinha sido consumida junto com os tijolos que eram passados de mão em mão na fila que os meninos do grupo escolar fizeram entre o caminhão e Juca que, muitas vezes, teve que tomar o tijolo da mão do menino abestado de dona Belinha, que fez questão de ficar na ponta da fila.

Só sei dizer que no fim do terceiro dia, a frente da igreja e o campanário já estavam em ponto de reboco e o sino no lugar dele pronto para tocar.

Esperaram um tempinho para a massa puxar e Juca fez o reboco todo num dia só. Agora era esperar o tempo secar para poder botar tinta no reboco branco porque Juca Silvério mandara botar bastante cal para facilitar a pintura.

Depois de tudo pronto o padre quis dar um envolve em Juca Silvério regateando o preço para ver se ele baixava para quatrocentos contos, inventando que não tinha conseguido o dinheiro todo, que ele podia muito bem fazer a diferença, que podia aceitar o pagamento a menor e dedicar o resto para a santa, essa conversa mole de mal pagador.

Aí Juca Silvério disse ao padre que ou ele pagava tudo como tinham combinado ou no dia da festa ia acontecer uma desgraça.

O padre confiando no ditado de que praga de urubu magro não pega em cavalo gordo bateu o pé e só pagou trezentos e cinquenta contos.

Aí Juca Silvério disse que só recebia se fosse tudo e saiu de lá com a gota e ainda disse na barraca de dona Cotinha que aquilo não ia ficar assim, que todo mundo ia ver do que o padrinho dele era capaz.

No dia da festa, quando a procissão voltou e a igreja estava cheia que não cabia mais nem pensamento, toda a parte velha caiu por cima do povo, matando mais de cem e a parte que tinha sido construída por Juca Silvério estava lá, de pé, inteirinha e o dinheiro que tinha ficado escondido dentro do cofre na casa paroquial, sumiu que nem fumaça apesar da porta trancada e o molho de chave dentro do bolso da batina do Pe Clemente, que não morreu no desastre, mas quebrou o pescoço e ficou paralítico pelo resto da vida.