Crepúsculo de um sonho

Vinham linhas curvas de puro fogo do infinito céu. Eram raios que caiam aqui e ali. O velho barco não resistiu. Vela e mastro morreram abraçados numa brava demonstração de resistência. O resto da embarcação emborcou. Eu agarrei-me em algo, parecia um pedaço de madeira, talvez a ponta do mastro quebrado. Os outros, meu pai, minha mãe e meus irmãos tiveram destino ignorado. Talvez tubarões, talvez salvos por algum outro barco que passava. Quando a tempestade cessou, cessou meus medos. Não pensava mais em família, tubarões, afogamento, fome ou frio. Nada mais importava. Aguardava pacientemente a maldita morte chegar. Horas após horas sendo surrado por aquelas ondas que pareciam chicotes de algum senhorio maldoso, ruim mesmo, porque na sua ponta havia sal e o sal ardia meus olhos que nada enxergavam. Ouvi um grito. Um pedido de socorro. Fiquei feliz outro sobrevivera. O problema é que o grito parecia tão perto, mas mudava de direção, comandado pela brisa ora quente ora fria. Nadei, batendo os pés sem largar meu tronco salvador tentando encontrar o local – nada. Voltei a pensar na minha família, meu pai já velho com seus mais de sessenta anos com poucas chances de se salvar naquele naufrágio. Minha mãe também, ela além de mais velha tinha sofrido mais as mazelas da vida. Irmãos sim – estes eram fortes e espertos, deles poderia se esperar a superação. O barco na verdade fazia uma travessia transportando mais peso que podia – coisas da ganância humana. À medida que o tempo passava e a lua minguante dizia adeus, comecei a sentir franqueza e sono. Imediatamente, talvez ao comando do verbo divino, me amarrei ao tronco usando um pedaço de pano. Num determinado momento, senti alguns cutucões em meu corpo, pensei delírio ou sonho. Sonhava com um bando de inteligentes golfinhos, e um deles o líder comandava o batalhão de salvamento. Primeiro se compuseram em barreiras do meu lado protegendo meus flancos, o líder ia à frente. Orcas assassinas não tiveram nenhuma chance, muito menos os tubarões. Eu num sonho de ouro agradecia a todos em sua língua. Como falava tão bem, não sei – coisa de sonho. Nem mesmo enguias conseguiram romper a muralha protetora. Eles, os golfinhos agiam como o famoso movimento de tartarugas, utilizados pelos romanos – só que em alta velocidade. Sonho sonhado em grupo, porque ao amanhecer estava estirado em uma praia. E para meu espanto lá estava toda a tripulação e os passageiros contando a mesma história. Minhas lágrimas me jogaram nos braços da minha mãe que com seu olhar carinhoso atraiu toda a família para um longo abraço. Um abraço com a força de um oceano. Logo depois chegou a guarda costeira e para nosso espanto disseram inexistir golfinhos na região. E mais, toda aquela área era uma região dominada por ferozes tubarões, utilizada naquela época do ano para desova. Alguém deixou escapar a palavra milagre e disfarçou com um choro incontrolável...