A PRISÃO AZUL

A prisão azul

Elas voltariam, elas acabariam voltando um dia. De fato, elas estavam ali o tempo todo, presentes, mas discretas, elas me observam. Elas só estavam ali por mim, eu sentia isso. Elas estavam mais presentes a cada dia. Depois, sem avisar, elas partiam... Mas logo elas voltariam... Logo.

Hoje está um dia lindo. Pelo menos uma vez fui passear na cidade, pois gosto de sentir o calor dos raios do sol primaveril misturado as rajadas do ar fresco da manhã sobre meus braços nus.

Andei bastante pelas ruas descobrindo rostos fechados, ansiosos, rostos tristes das pessoas que passavam. Elas pareciam não me enxergar. Não sabiam observar como eu observo e nem sabiam enxergar as coisas como eu enxergo. Então, as pessoas começaram a desaparecer. Ficou somente um pássaro voando por trás de uma árvore... Não os procurei mais, pois sei que aquelas pessoas estavam com elas do outro lado da vida, nunca tive a prova, mas sei que todas estavam lá.

Antes, eu as procurava nas árvores, atrás das casas, atrás dos canteiros em flores... E, pela primeira vez foi um rapaz que eu vi. Ele atravessou a rua correndo e depois desapareceu por trás de um carro. Eu não entendi nada. O carro estava parado, portanto, ele poderia ter entrado no carro. Então comecei a procurá-lo.

Olhei dentro de todos os carros que estavam estacionados, entre as cercas vivas que fechavam os pequenos jardins das casas, entre os arbustos, não entendi mais nada, se atravessei a rua junto com ele por que eu estava lá e ele não? Ele simplesmente sumiu.

Meus passos me conduziram ao meu apartamento. Penso que não são somente os humanos que desaparecem, mas esse é um caso raro. Os pássaros desaparecem, as borboletas...

Antes, eu queria reencontrá-las, perguntava para as pessoas que passavam, mas elas nada sabiam. Às vezes, ficava até tarde procurando-as... E depois, numa manhã, tudo se esclareceu como uma luz ampla em minha cabeça. Se elas vêm, é certamente para tentar me levar com elas, então, elas levam os passarinhos, as borboletas ou desconhecidos esperando portanto, que eu me decida a ir.

Esta manhã foi um passarinho, depois o rapaz... Elas vão voltar... Eu sinto que elas vão voltar.

Elas voltarão esta noite. Elas chegam sempre à noite durante o meu sono. Elas me observam, de pé, no escuro do meu quarto. Eu não sei se elas sabem que eu sinto a presença delas... Eu sinto, mas não as vejo, no entanto, imagino-as.

Eu sei que se eu abrir os olhos elas desaparecerão, como as borboletas. Quando elas vieram pela primeira vez eu simplesmente senti alguém sentar a beira da minha cama. Eu estava só, eu sempre estou só.

A porta estava fechada e ninguém poderia entrar. Pensei que fosse um fantasma, um espectro ou um espírito que ainda não havia terminado sua missão aqui na terra. Foi somente mais tarde que eu entendi, quando eu comecei a sentir o peso do seu olhar sobre o meu sono. Elas vieram esta noite...

Estava fazendo muito frio. Meu moletom e minhas meias de lã grossa nada podiam fazer contra o frio que parecia vir do interior do meu ser, como raízes geladas tomando conta de todos os meus membros. Fui ao banheiro tomar um banho quente e foi lá que uma apareceu. Através do vapor da água sobre as portas do Box. A água quente escorria sobre mim quando eu vi uma mulher. Não tive medo, fiquei ali mesmo em frente a ela sem poder me mover.

Ela estava envolvida em um tecido violeta escuro, da cabeça aos pés. Parecia perdida no meio daquele monte de panos que escondia o seu rosto, mas eu vi que ela era pálida e muito enrugada. O tempo não foi nada generoso com ela.

Ela parecia ter saído do deserto, de um lugar onde a vida toda ela trabalhara com as mãos na terra dos seus ancestrais... Com uma voz rouca e cansada ela começou a falar comigo em um idioma que eu não entendia nada. Eu logo soube que aquilo era um apelo de ajuda, um pedido. Eu compreendi também que talvez eu estivesse envolvida naquilo tudo... Mas por quê? Aquela senhora era sem dúvida uma delas.

Ela nunca viera com as outras durante a noite e naquele momento tive certeza que todas vinham de um mesmo lugar, de um mesmo mundo. Foi então que subitamente ela desapareceu.

Após a aparição desta noite fiquei convencida que todas elas iriam logo retornar. Seria preciso que eu as enfrentasse. Por que será que elas sempre voltam, por que elas me escolheram e o que elas querem de mim?

Eu tinha medo de não conseguir pegar no sono e que elas não viessem mais. Após ficar acordada até tarde da noite eu fui me deitar, observando as sombras no escuro, escutando em silêncio o menor barulho.

Elas então chegaram colocando um fim aquilo que me pareceu horas intermináveis de espera e de angústia. Tentei lutar com todas as minhas forças, mas meu corpo ficou como que paralisado da cabeça aos pés. Meu corpo parecia se afundar no colchão e bruscamente senti-me levitar um metro acima da cama.

Eu não podia me mexer. A atmosfera em meu redor parecia ter se tornado mais amena, mais suave que o veludo. Sem poder ver o que estava acontecendo eu sabia que não estava mais no meu quarto. O local onde eu estava me parecia muito maior e completamente recoberto de veludo azul, eu não podia me mexer, mas todos os meus sentidos estavam atentos.

Essa sensação explicava o porquê de todas as vezes que eu pude sentir que elas me olhavam sem jamais querer vê-las. Hoje, finalmente eu sei com quem elas se parecem. Eu as via do exterior do meu corpo como algo estranho, mas conservando meu espírito dentro do meu interior. Isso me parecia natural, em nenhum caso inquietante... Eram sempre quatro pessoas e como sempre idosas.

Elas vestiam vestidos drapeados, bem elaborados e mais decorados que a mulher de violeta escuro que eu vira no banheiro. Eu as sentia tensas, ansiosas e impacientes. Todas as suas emoções, seus pensamentos ficavam cada vez mais límpidos. Elas estavam ali por minha causa. Elas me procuraram durante muito tempo, anos talvez, em seu mundo e depois no meu. Elas começaram então a falar.

Elas não se comunicavam em voz alta como a gente, a conversa delas parecia ser mais por telepatia. Eu sentia que não iria conseguir compreender o que elas diziam e elas mesmas pareciam não saber que eu nada entendia nada. A tradução era feita por mim, naturalmente, como uma língua que eu já havia falado e que aflorava sozinha na superfície do meu pensamento.

–Vocês têm certeza que é ela?

–Sim.

–Não é possível, ela é demais jovem.

–As aparências às vezes enganam... Ela está no ponto de festejar seu vigésimo aniversário.

–Essa jovem não pode ter vinte anos. É impossível! Olhem-na!

–É ela, eu tenho certeza. Ela se parece tanto com nossos parentes. A forma do seu rosto, sua boca, o nariz. Deixem de lado seu espanto e as consequências ligadas a sua volta entre nós... Olhem-na, olhem-na bem.

Elas ficaram quieta por um instante, uma deixando a outra a possibilidade de me observar nos mínimos detalhes às únicas partes do meu corpo que não estavam cobertas: a cabeça e um braço.

–Mas enfim, vejam por vocês mesmas. Seus cabelos são muito curtos. Eles não estão nem mesmo penteados para esta noite! Ela nem está maquiada para a ocasião e isso é obrigatório!

–Vocês sabem como eu que ela viveu muitos anos longe de nós. O mundo no qual ela cresceu possui uma cultura e hábitos completamente diferentes do nosso. Isso explica igualmente suas vestes e essas estranhas cores que ela usa nas unhas.

–Você não tem nenhuma prova verdadeira! Não podemos levar uma estranha conosco porque ela parece mais ou menos aquilo que ela poderia ser.

Eu não compreendia o que elas queriam dizer com isso... Eu estava sendo procurada... Mas por quem? Por quê? Quem eu realmente sou? Uma princesa desaparecida em um universo paralelo ao meu... Era um absurdo!

–Eu tenho uma prova, vejam! Foi então que minha mão se deslocou de baixo da minha face para cima do travesseiro mesmo sabendo que eu não podia me mexer. Uma dentre elas possuía a força mental necessária para poder deslocar um objeto ou mesmo uma parte do meu corpo sem me tocar.

–É impossível!

–Não, vocês veem a mesma coisa que eu.

–Vejam, é o anel...

–Ela herdou esse anel desde o seu nascimento e este jamais saiu do seu dedo.

–Ela pode o tê-lo encontrado ou comprado sem saber, pode haver uma cópia igual em seu mundo.

–Ela é a única que pode usar, além disso, nós fizemos um acordo que toda cópia do anel seria estritamente proibida e o modelo não pode ser reproduzido exatamente igual, o anel cresceria em seu dedo a medida que ela crescesse.

–Mas... Então é ela mesma...

–Sim, nós finalmente a encontramos. Esse anel é o nosso símbolo familiar. Agora tudo vai se resolver!

Naquele momento compreendi que após longos anos de procura elas finalmente me encontraram... E me levaram para esse mundo que se encontrava bem no meio de minha mente. De onde eu teria que fazer um esforço muito grande para acordar.

FIM.

Aronedla
Enviado por Aronedla em 14/07/2017
Código do texto: T6054102
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