O Resgate

Fiquei parado, contemplando aquelas paragens escuras e a entrada da trincheira onde os dois desapareceram. Doia em meu íntimo a covardia de não ter lutado por ela e de ter a deixado partir em tão má companhia.

Ao meu redor, não havia nada além da fraca iluminação solar sobre o capim seco, fazia frio, muito frio...

Tentei em vão compreender o que ocorrera, já que o ônibus desaparecera junto com o ponto, mas a floresta densa continuava lá.

Um senso de urgência acelerou meus batimentos cardíacos, eu tinha que traze-la de volta, tinha que quebrar o transe hipnótico que se abatera sobre ela, tinha que lutar contra o encardido, se preciso até a morte, mas a morte parecia ter perdido seu significado, já não temia derrota alguma, pois já havia perdido a batalha sobre a atenção daquela moça sorridente e bonita, mas novas forças me fizeram repensar a estratégia: havia perdido a batalha sim, mas a guerra ainda estava em curso.

Decidido, andei em direção a trincheira aberta na mata, adentrei literalmente os umbrais das trevas, a cada passo, mais frio e mais escuro tornavam-se o caminho. Tropeçava, caia, esfolava os joelhos mas a dor e o frio não conseguiam apagar aquele sorriso. Não estava apaixonado, isso tinha certeza, ou talvez estava viciado no sentimento que ela despertava em meu coração, pois até este momento, aquele rosto ainda gerava grande ponto de interrogação, afinal, quem era ela?

O breu tornou-se compacto, o silêncio solidificou-se, quase podendo ser tocado... nem mesmo as batidas pulsantes do coração e dos pulmões quase asfixiado era possível ouvir, somente os passos e os esbarrões em velhos troncos de arvores aconteciam de tempo em tempo. Senti o corpo pesar e cai de joelhos sobre o lodo da estrada. Fechei os olhos e procurei a calma. Em alguns minutos que eu não pude precisar, ergui-me e olhei ao longe, porém as trevas impediam a vista. Fechei novamente os olhos e estranhamente comecei a perceber o caminho, de olhos fechados, alguma espécie de sensor desenhava os obstáculos a frente, de olhos fechados podia perceber toda a região como se fosse visão... fiquei admirado, nunca soube que o ser humano era capaz de exercer tal faculdade e que ferramenta incrível seria esta? (resolvi guardar para pesquisar no Google quando acordasse).

Dotado de "visão noturna" acelerei o passo e até me senti mais leve, tentava em vão relacionar a visão com o estado emocional da pessoa, mas aquela hora não era o momento de formular questões psicológicas, pois tinha que cumprir minha missão.

Ao atravessar um riacho turvo e lamacento, olhei para as margens e senti que estava sendo observado. Um arrepio percorreu me a espinha ao identificar olhos humanos sobre faces desfiguradas somados a grande massa disforme e gelatinosa inseridos na lama, eram milhares de rostos curiosos e de feições ferozes que pareciam rosnar ao me verem. Mantendo o controle segui para um campo aberto onde soprava uma brisa quente, no céu, relâmpagos cortavam as nuvens ameaçadoramente. Em alguns pontos os clarões eram tão intensos e quentes que parecia que o inferno escancarava suas mandíbulas sobre o descampado árido. Andei vagarosamente sobre aquela atmosfera pesada até perder os sentidos... acordei atirado na calçada fétida de uma cidade feia (não era Alvorada). As ruas tomadas de vagabundos, bêbados e drogados. Minhas vestes estavam igual aos dos outros, sujas e esfarrapadas. Sentei-me na sarjeta e olhei para a janela de um barraco e avistei um rosto sofrido com traços... meu Deus, os traços dela, ela, aquela que me proporcionou esta aventura. Corri e acenei para ela, ela mesmo. Ela sorriu e me disse que poderia ir comigo, já que o encardido estava "preso eternamente". Olhei para seu rosto, que voltou a ser lindo, belo e com aquele sorriso encantador, mas algo havia mudado. Estranhamente não senti nenhum interesse por ela. Caminhamos de volta para a superfície e cada um seguiu seu rumo...

maxximusvero
Enviado por maxximusvero em 28/10/2017
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