Trino Antagônico

Do sofá confortável observava parte de minhas aquisições: uma casa ampla com piscina e lareira, sala ricamente mobiliada, piso de mármore com pilastras romanas, móveis vitorianos, teto alto. TV plasma 80``, estava passando um Gre-Nal, na qual meu time estava goleando. Aos meus pés, meus cachorros descansavam no tapete persa. Minha mãe estava num cruzeiro do Roberto Carlos passando pelo mar do Caribe. Levantei e fui até o espelho. Me achei elegante, mais magro, minhas roupas eram de primeira linha e no pulso pesava um Rolex de ouro maciço, tinha valido a pena tanto esforço, tantas lutas para chegar onde estava.

Tinha lembrado de ter mandado o jardineiro trabalhar no jardim e queria ver o resultado.

Ao sair pela grande porta do casarão colonial, tudo pareceu escurecer, minhas roupas tornaram-se sujas e em farrapos, de pés descalços e encardidos, sobre poças d´agua fria no chão embarreado, céu nebuloso e vento quente, vegetação ressecada, galhos retorcidos e queimados... eu naquela hora, tornei-me um mendigo. Tentava relacionar a boa vida de minutos antes com aquela situação inusitada. Foi quando olhei para porta e me vi como o riquinho de antes. Me olhei e me disse: "Você vai ter que trabalhar". O Eu mendigo respondeu: "trabalhar?, mas estou em férias.." e o Eu rico repetiu: "Você VAI ter que trabalhar... "Olhei torto e perguntei porque? e o eu rico me disse: "Você vai ter que trabalhar para que eu não seja o que você é hoje e pra que Você possa se tornar o que sou". Fiquei ali, diante dos dois "Eus antônimos" refletindo sobre o estranho diálogo... foi quando pequei a enxada e resolvi executar o trabalho confiado a mim, pelo dono do casarão, ou seja, cuidar do jardim com certeza de dias melhores.