O anjo da morte

Ele acordou e se deparou com aquela imagem nos pés da cama. Não era uma visão horripilante, mas diferente de como as pessoas costumam pensar que é. Era uma mulher. Uma bonita mulher com vestes brancas. As vestes pareciam feitas de apenas um pano e flutuavam em volta do corpo ao invés de vesti-lo propriamente dito.

Ele encarou aquela imagem a sua frente e sentiu algo dentro de si. Não era medo, talvez uma pontada de agonia, mas não dessas comuns que remexem as nossas entranhas e nos deixam apavorados, titubeantes, não era nada disso, era algo novo, diferente, forte.

Ele apertou as mãos contra os olhos para ter certeza de que estava vendo, o quê estava vendo. Ela ficou parada olhando para ele. Seus olhos eram verdes, seu sorriso polido e sereno estampado com bem desenhados dentes brancos. Seus cabelos eram negros como a noite e sua pele meio pálida, mas não de uma palidez de quem está doente, estava mais para quem morava no leste europeu e pouco pegava sol:

- Quem é você? – Ele gritou.

Ela sorriu. Olhou dentro dos olhos dele e respondeu com uma voz serena e calma:

- Eu sou a morte.

Ele quis duvidar. Não acreditaria se isso fosse em qualquer outro momento, mas ao olhar para aquela imagem feminina meio que flutuando em sua frente, ele não teve dúvidas de que ela falava a verdade. Ela era mesmo o anjo da morte. Ele olhou novamente para o quarto ao seu lado para saber se já tinha morrido, mas não notou nada de diferente. Até a garrafa de vodca que ele tinha tomado na noite anterior ainda estava jogada no chão do quarto. “Estou vivo”, ele pensou, mas por desencargo de consciência pensou que fosse prudente perguntar:

- Eu morri?

- Ainda não, mas vai.

- Quando?

- Hoje. Daqui a pouco.

- Porque? Eu me sinto bem, não estou doente nem nada.

- Isso não importa.

- Como não importa?

- Pessoas sadias morrem todos os dias, enquanto pessoas doentes continuam vivas por anos, não é isso que determina que vêm e quem fica.

- Eu não quero morrer.

- Isso também não interessa.

Era uma verdade. Não importa se você quer morrer ou não. Apesar disso ser importante, não é fator determinante. Muita gente que quer morrer segue viva e muita gente que quer viver acaba morrendo. Ele sabia disso, mas não podia simplesmente aceitar. Se sua vida não era uma maravilha, também não era ruim. Ainda era jovem, recém completou 46 anos e tinha muito que viver ainda. Tinha muitos planos ainda por concretizar.

- Eu não posso morrer agora.

- Por quê?

- Porque ainda tenho muitas coisas para fazer nessa vida. Tenho planos.

- Que planos.

- Preciso pedir perdão para meu pai pelas decepções que dei para ele. Não sei se você sabe, mas já fui até preso. Hoje sou um homem bom, mas já decepcionei muito o meu velho.

- Eu sei, tenho a sua ficha. – Ela andou, ou flutuou, para o outro lado do quarto e de costa para ele olhando pela janela completou. – Você já teve tempo de pedir desculpas, porque não o fez antes?

- Achei que teria mais tempo.

- Você teve muito tempo.

- Eu sei, mas a gente, sempre acha que tem mais tempo.

- Seu pai já lhe perdoou. Ele é seu pai e te ama.

- Tenho que me despedir dos meus filhos.

- Faz quase seis meses que você não vê seus filhos.

Ele não soube o que responder. Era verdade o que o anjo da morte dizia. Ele não via os filhos a pelo menos seis meses. Era sincero o seu sentimento de querer ver os filhos, mas parecia que isso não teria importância:

- Eu preciso reparar algumas coisas na minha vida. – Foi o último argumento dele. – Preciso corrigir meus erros. Cometi muitos erros, preciso de tempo.

- Quanto tempo você precisa?

- Uns dez anos.

O anjo riu para ele. Era um riso sarcástico. Ele teve raiva, ficou com vontade de saltar na garganta daquela criatura e matar a morte.

- Isso não vai dar certo.

- O que não vai dar certo?

- Posso ler seus pensamentos.

- Hum. – Por essa ele não esperava. – Preciso de tempo. - Ele repetiu.

- Você tem um minuto.

- O que vou fazer com um minuto?

- Ligue para alguém.

- Não consigo falar com alguém por um minuto apenas.

- Vou permitir que você faça uma ligação e a complete, quando você desligar eu te lavarei comigo.

Era melhor que nada, ele pensou. Olhou para o telefone ao lado da cama. Pegou-o e discou lentamente e esperou a ligação se completar até que uma voz atendeu no outro lado da linha:

- Você ligou para a vivo, para conhecer nossos planos digite um, para falar com um dos nossos atendentes digite dois...

- O que você vai fazer? – Quis saber a morte.

- Vou cancelar minha conta de telefone da vivo antes de morrer.

- Tá de sacanagem? Pensa que vou esperar você conseguir cancelar sua conta.

- Trato é trato.

A morte esbravejou e foi embora, enquanto que ele seguia no telefone tentando encerrar a conta.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 14/11/2017
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