A CASA DE GRADES (HERÓI)

- Pela segunda vez nesta semana o rapaz que morava naquela casa com grades sobre o muro me dava uma bronca por eu estar comendo o seu lixo, eu sei que não era pelo lixo e sim pela bagunça que ficava depois que eu rasgava o saco.

Me habituei com aquele lixo, tinha sempre coisas que eu gostava, resto de biscoitos, salsichas, pontas de sanduíche.

Como naquele momento o dono do lixo estava do outro lado da grade eu continuei comendo. Ele entrou em sua casa e depois de alguns minutos voltou com um prato de plástico na mão, e enfiando o braço pelo vão da grade colocou o prato ao lado do saco de lixo. Eu estava terminando minha refeição, mesmo assim cheirei o que tinha no prato e parecia muito bom, comi tudo e sai de lá mais do que satisfeito.

- Fazia dias que estava morando naquela rua, a comida era boa, as crianças brincavam comigo. Eu dormia em um canto da calçada protegido por um canteiro de plantas e um beiral de telhado. Com esse conforto todo eu ia ficando.

- O lixeiro não passava naquele dia, mesmo assim fui até a casa de grades conferir, o lixo realmente não estava lá, mas o rapaz tinha novamente colocado o prato de plástico com comida e desta vez acompanhado de uma vasilha com água. Comi, bebi a água e quando terminei lá estava o rapaz agachado e encostado a grade pelo lado de dentro, desta vez eu não rasguei o saco de lixo, agradeci com o olhar e fui embora.

- Do canto escondido no canteiro onde eu dormia dava pra ver o quintal da casa de grades. Todas as tardes eu deitava ali e ficava olhando o rapaz brincando com seu filho, era outra coisa que eu havia me habituado.

- Num outro dia amanheceu chovendo, também não era dia de lixeiro e pelo que enxergava de longe o meu prato de comida não estava lá.

Depois de algum tempo a fome apertou, tinha que procurar comida, saí embaixo de chuva e quando passei em frente a casa de grades vi que o portão estava semi-aberto, enxerguei lá dentro da área coberta o prato de comida e a água, não havia ninguém, todos deviam estar dentro da casa. Eu estava com muita fome e entrei... Comi, bebi a água e deitei-me no piso seco para descansar, era bom estar ali, a cobertura, as pessoas eram boas, o piso seco, o silêncio.

Com o barulho da chuva e a barriga cheia peguei no sono.

Quando abri os olhos os três humanos me observavam; O rapaz, sua companheira e seu filho, eles estavam a poucos metros de distância e sorriam. O portão estava fechado, caminhei até ele sob a chuva e sentei-me, estava chovendo mais forte agora, em poucos segundos eu estava encharcado. O rapaz me chamava mostrando o prato de comida, ele tentava me convencer a voltar para a área seca. Eu fiquei ali, embaixo da chuva, não iria voltar. Passaram longos minutos, os humanos conversavam, discutiam, insistiam em me chamar e num momento se calaram. O rapaz veio até perto de mim e abriu o portão.

- Nós, cachorros de rua, tomamos muita chuva, nôs acostumamos com isso, as vezes até dormimos na chuva, mas quando estamos molhados o ideal é ficarmos em movimento, andando. Alem disso naquele momento eu tinha mesmo que andar, precisava procurar comida e outro lugar pra dormir.

Gilberto Belotti
Enviado por Gilberto Belotti em 26/02/2018
Reeditado em 27/02/2018
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