O homem que fazia milagres

Ninguém sabe dizer ao certo em que momento ele apareceu por aquelas bandas. A vida em Morro Verde caminhava modorrenta e previsível quando o estranho surgiu. Um belo dia ele apareceu dormindo em um dos bancos da Praça da Matriz (anos depois dele ter desaparecido de vez em quando ainda aparecia alguém dizendo que tinha sido o primeiro a vê-lo). Quem passava cedo pela praça via de imediato aquela figura alta, magra, com a barba grande, uma calça jeans muito surrada e uma camisa de meia mais surrada ainda.

Os dias foram passando e terminou que o estranho ganhou o apelido de Tristão. Vivia pela praça e de vez em quando pedia comida para alguém ou se oferecia para fazer pequenos serviços. Em uma cidade pequena e pacata como Morro Verde terminou que Tristão foi ficando e não causava mais estranhamento algum em ninguém.

Os meses passaram e todos perceberam que Tristão era uma espécie de bom malandro, contava piadas, ria com todo mundo, ajudava as senhoras a carregar compras, mas de vez em quando surgiam rumores de que este também cometia pequenos furtos. E assim as coisas seguiam seu rumo até que o inusitado aconteceu.

Certa tarde alguns moleques apostavam quem era mais rápido em uma corrida de bicicletas. Disputavam em uma rua próxima a praça em que Tristão morava. Eis que de repente um deles termina caindo e ao tentar amortecer a queda fratura um braço. Uma fratura feia em que parte do osso perfurou a carne do braço. Uma gritaria e um corre-corre se fez presente na praça. Em meio aqueles que socorriam o garoto acidentado Tristão abriu espaço e simplesmente tocou no braço do menino dizendo:

- Pronto, moleque, já passou. Agora vai para casa que essa corrida já deu o que tinha que dar ...

Todos viram o braço do menino ficar sem fratura alguma. Para onde foi a fratura horrível que fazia o menino gritar de dor? Estupefação, gritos de surpresa e olhos arregalados iam de Tristão para o braço do menino e deste para Tristão. Muitos tocavam no braço do menino acidentado e viam que ali não havia nem sombra do ferimento feio que até dois minutos atrás havia deixado todos assustados.

Como um rastilho de pólvora espalhou-se pela cidade que Tristão tinha feito um milagre. Trouxeram uma mulher cheia de deformidades de gota e este só tocou e a mulher voltou a andar normalmente. Um clamor tomou conta das dezenas de pessoas que assistiam a isso. Rapidamente surgiram com um velho cego há décadas e Tristão apenas tocou nos olhos e o homem de imediato voltou a enxergar.

Agora centenas de pessoas estavam em volta de Tristão. Um homem amputado das pernas por causa do diabetes simplesmente foi tocado e teve de volta as suas pernas. A multidão gritou quando as pernas surgiram do nada. O que antes eram apenas cotos passaram a ser pernas de fato. A multidão não parava de aumentar

A noite havia chegado e o encantamento com as maravilhas feitas por Tristão impedia as pessoas de irem para suas casas. Seria um Deus que estaria perante eles? Seria o Filho de um Deus? Que homem era esse? Muitos juravam ver luzes em torno do corpo de Tristão outros diziam sentir uma paz interior. O certo é que todos estavam ali porque queriam que este realizasse algo em suas vidas. Todos queriam um milagre para si.

Quando Tristão iniciava os seus milagres não fazia nenhum tipo de preâmbulo, não proferia orações e nem clamava por Deus. Ele agia de uma maneira que, para todos ali naquela praça, parecia natural, ele apenas tocava e pronto, estava realizado um milagre.

A madrugada já adentrava e as pessoas na pequena praça não arredavam pé. Os pedidos para Tristão eram de todo os tipos. Muitos queriam uma casa nova, outros queriam muito dinheiro, teve um que pediu um rosto bonito, outros queriam a juventude de volta. Todos ali naquela praça queriam algo. A todos Tristão falava que poderia realizar os desejos mas que, em virtude do número imenso de pedidos e pelo fato de estar cansado, iria deixar para o dia seguinte. Muitos reclamaram disso mas não muito veementemente porque ninguém queria desagradar alguém que havia chegado para mudar a vida de todos. Muitos queriam levar Tristão para suas casas para que este dormisse com conforto, mas este preferiu dormir na praça. E todos ficaram na praça enquanto Tristão tranquilamente agasalhava-se em seu banco preferido para dormir. E assim foi. Ninguém na multidão pregou os olhos. Só Tristão que dormiu.

Quando o dia amanheceu eis que todos descobrem que Tristão sumiu. Como assim, sumiu? Como pode desaparecer em meio a uma multidão de pessoas sem que ninguém visse absolutamente nada? Um clamor de desespero surge na multidão, ninguém se entendia. Muitos culpando uns aos outros porque haviam exagerado nos pedidos, outros procurando o milagreiro em toda a cidade.

Nunca mais Tristão foi visto por ninguém. E todos com horror descobriram que até os seus milagres sumiram. Quem deixou de ser cego voltou a ser cego, a mulher da gota agora contemplava novamente suas deformidades, o homem dos cotos voltou a viver com estes e o menino agora tinha que fazer uma cirurgia por causa da fratura exposta.

O tempo transcorreu e terminou que muitos passaram a duvidar se de fato um milagreiro havia aparecido por lá. A vida seguiu seu ritmo ...