Adeus!

Ouvindo Dial, pensando no que escrever. Sem internet, o desespero chegou. Chegou muito antes. O dia não fora bom. Energia cortada desde manhã, voltou à tarde, mas a internet não voltou. Logo veio a chuva e fez com que o computador se desligasse por duas vezes. A esperança de que o sinal voltasse antes da meia-noite, dois minutos que fosse, ainda perseverava. Olhava os leds. Aquele piscava. Não tinha que piscar. Tinha que ficar estático, mas ele teimava em piscar, de três em três segundos ele acendia e logo apagava. Ele precisava daquilo. Ele sentia que precisava usar um pouco a Internet antes de dormir, antes de se incubar para o dia seguinte. O dia em que tudo voltaria à rotina. Entraria na casa, depois de rondá-la sentaria em uma cadeira fria, pegaria um livro qualquer e leria. Leria automaticamente, segundos depois esquecendo todas as palavras e sentidos. Logo apareceria uma pessoa, andaria para lá, para cá, iria embora e ele nunca mais a veria.

Ele tinha medo de dormir. Não o desgostava o ato de dormir, mas isso apenas significava que estava acabado. Que quando acordasse estaria fadado a voltar àquela rotina, àquela casa, àquelas pessoas. Não queria isso. Esperava que alguém resolvesse isso. Comprasse a casa e dissesse "adeus!". Neste dia a volta seria mais feliz. Andaria pela rua com um sorriso nos olhos. Olharia para o céu e mesmo este estando nublado e escuro lhe pareceria um belo céu. Melhor que de qualquer outro dia. Mas subitamente cairia uma parede em pé em sua frente, com uma porta dupla no lado esquerdo. E logo a seguiriam outras paredes. À esquerda, à direita, uma coluna atrás e atrás dela outra parede. E bam, bam, bam, cairiam umas atrás das outras. E por final cairia o telhado, mas antes do telhado cairia uma cadeira fria em sua frente. Uma cadeira com tiras de couro e fivelas nos pés frontais. Duas mulheres com as feições lavadas o pegariam bruscamente pelos braços e o sentariam na cadeira, afivelando as tiras de couro ao redor de suas pernas. Apertam-se as tiras. Outra mulher com as feições lavadas aparece dando tapinhas na parte de dentro de seu braço, enfiando uma seringa e indo embora. Todas se foram. Ele está sozinho, afivelado à cadeira. E começa a sentir seus olhos se liquefazendo, como se escorressem pelo rosto, lentamente. A visão turvando-se. Suas pernas se fundindo às pernas da cadeira. Sente-se todo se fundindo a cadeira, até serem um só. E o livro que antes lia, Dom Casmurro, está agora em cima da cadeira. Em cima dele. Posicionado casualmente em diagonal. A ponta do marca páginas aparecendo no topo. E uma mão o pegando. E duas nádegas jogando-se contra o assento da cadeira. Contra ele. Enormes. Crescendo. Assombrando. Sentam-se enfim, deformando o assento da cadeira. E sufocando-o. O ar não vem. Nada mais vem. Apenas o desespero. Este chega logo junto da escuridão.

Cai no chão e parece se alimentar do ar. Puxa o ar com as mãos direto para a boca. E a cada colherada segue uma tosse funda, longa e por final água cuspida. Muita água. Uma bacia de água. E então, se recuperando, tem tempo para olhar o local ao seu redor. Escuro, com paredes negras salpicadas de gotas cinzas. Não acha o teto, que sobe junto com as paredes até a escuridão. Pensa em gritar. E grita, grita um silêncio porque sua voz não veio. Ao invés disso sua mandíbula continua se abrindo, e abrindo. E ele não consegue parar. Até sua pele começar a rasgar-se e por fim sua mandíbula cair no chão. Um pedaço de escassa carne recheada com um osso, dentes saindo, uma língua torcida. Pode ver o cavanhaque no queixo sem dono. E vermes. Sim, vermes. Saem da carne. Entram de novo. Contorcem-se. Agora seu braço começa a ceder. Novamente a pele se rasga. Cai o braço. Mais vermes. Parecem se multiplicar. E a tampa se abre. Do teto passa a luz que o cega e logo uma enorme cabeça bloqueia o centro da luz. "Adeus!", diz a cabeça em uma voz ecoante.

A tampa se fecha e a escuridão aparece. Logo, longas labaredas de fogo brotam do chão. Multiplicam-se. Escalam as paredes até o teto longínquo. Crescem debaixo de seus pés. Queimam a mandíbula abandonada. Fazendo a pele borbulhar e os vermes moverem-se com frenesi. Pedaços de parede ardentes caem sobre ele. Buracos se abrem no chão e o fazem ceder. Neste momento passa pelos retalhos das paredes a voz ecoada mais uma vez. Pela última vez. "Adeus!".