Composição Onírica

“O sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente.”

-Sigmund Freud.

Estava preso num enorme edifício, passava por corredores longos e estreitos, mal iluminados, as paredes cobertas por mofo, vez ou outra encontrava com algum gato vagabundo que me olhava indiferente. Desci uma longa escada, acabava por subir mais um andar do edifício. Passei horas, ou talvez semanas neste trabalho inútil. As portas dos apartamentos estavam todas trancadas, pensei em bater à alguma porta, pedir ajuda a algum morador, que alguém me indicasse a saída daquele maldito labirinto, mas o prédio, não sei como sabia, mas sabia, estava desocupado. Alguém devia vir pelo menos uma vez ao dia alimentar aqueles gatos, e supus que o melhor seria sentar-me e descansar um pouco. Exausto, acabei por adormecer. Acordei em um quarto branco, como um laboratório, uma das paredes era de vidro, podia ver do outro lado uma avenida bastante movimentada. Estava nú, e meu primeiro impulso foi tentar cobrir minhas vergonhas, depois, gritei para as pessoas que passavam na avenida. Indiferentes, seguiam seus caminhos apressadamente, pareciam não perceber a minha presença e ignoravam totalmente o quarto em que eu me encontrava. Dei-me volta e verificando o quarto com maior atenção, pude notar que havia outras sete camas, onde sete pessoas dormiam profundamente. Não havia comida nem água, eu não tinha sede nem fome. Sentei-me sobre a cama, já convencido de que não era nem escutado nem visto pelos transeuntes do outro lado do vidro, procurei relaxar. Esforcei-me por entender o que acontecia, que estranhas forças fizeram isso comigo, quem estaria por trás daquela macabra brincadeira. A resposta estaria na noite anterior, naquele edifício, e tentei lembrar-me porque havia ido àquele lugar. Acreditei que minha ida ao edifício correspondia a uma excursão escolar, caminhava com meus companheiros de primária, mas por algum motivo, distanciava-me deles. Não demorou muito para que eu percebesse que essa teoria era mais fruto de minha imaginação do que da memória. Tenho trinta e dois anos, há muito tempo deixei o primário. Saí de minhas divagações quando os demais acordaram quase ao mesmo tempo, saltavam uns sobre os outros, golpeavam com os punhos cerrados a enorme parede de vidro. Quis avisar-lhes de que aquilo era inútil, mas fiquei aterrorizado quando vi que seus lábios se moviam, porém eu não podia escutá-los e eu tampouco podia emitir som algum. Estávamos todos surdos e mudos, dentro e fora do quarto. Chamou-me a atenção um senhor bastante idoso, que parecia já haver passado por aquela situação. Fazendo uso de gestos, tratou de acalmar a todos. Não sei se passamos meses ou anos naquele quarto, porém, estou seguro que foi muito tempo. Tempo suficiente para desenvolvermos um rudimentar código de sinais, e também um forte laço de união entre todos os habitantes do quarto. Ainda que cada um interpretava aquela situação de sua maneira particular, todos concordávamos, não sei bem o porquê, que aqueles que estavam na avenida, indiferentes a nosso sofrimento, eram os grandes responsáveis pela nossa tragédia. Queria poder falar mais sobre meus colegas de infortúnio, porém, não consigo me lembrar com precisão. Despertei sentado sobre os degraus da infinita escada do edifício, e como havia previsto, diante de mim estava uma mulher muito gorda, que alimentava os gatos. Quando lhe pedi ajuda, que me indicasse a saída daquele labirinto, ela me disse para que me calasse, para que não abusasse da sorte. Do lado de fora rondava um terrível monstro que deseja devorar-me, e que o labirinto era para proteger-me daquela terrível criatura.

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 30/03/2020
Reeditado em 05/04/2020
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