O relógio do vovô

Meu avô paterno me deixou de herança um relógio de coluna, que enfeitara a sala de estar de sua última residência. Meses antes de sua morte, ele me explicara que o valor do objeto não estava em sua antiguidade ou no fato de ser feito de madeira nobre, mas na capacidade de gravar momentos no tempo. Fiz cara de ponto de interrogação.

- Vamos dizer que você esteja no fim de um dia excepcionalmente bom na sua vida, e gostaria de poder voltar a ele no futuro - explicou. - Há um ajuste interno no relógio, que você pode usar para marcar esse momento.

- Como uma máquina do tempo? - Questionei, sobrolhos erguidos.

- Você não vai estar lá, realmente - esclareceu. - Mas vai poder rememorar um dia em particular, como se ele estivesse acontecendo novamente.

- E qual dia o senhor marcou para a posteridade, vovô? - Indaguei curioso.

Ele sorriu.

- Foi o meu 12º aniversário de casamento com sua avó. Volta e meia me pego voltando para lá, principalmente... você sabe... depois que ela se foi.

- Então não é uma máquina do tempo, mas uma espécie de gravador de quatro dimensões? - Insisti.

- Você só saberá quando experimentar - ele declarou. - Não é uma experiência de imersão em realidade artificial, se foi nisso que pensou; é como se estivesse realmente lá, como um co-piloto dentro da sua própria cabeça.

- Mas sem poder interferir nos acontecimentos - concluí.

- São fatos que já aconteceram, então, não; não poderá mudar nada do que aconteceu, sequer ter o controle das suas próprias ações.

Isso me parecia um tanto ou quanto frustrante.

- E o que acontece com a gravação temporal do relógio, quando quem a fez... desaparece?

- Ela se apaga; e quem recebe o relógio, pode então criar seu próprio registro temporal.

Quando recebi o relógio e o instalei em minha sala, pensei que não poderia incluir meu avô na minha gravação do dia perfeito. Mas o que aconteceria se eu incluísse meu filho caçula nela? Bem, eu precisava descobrir.

Um dia, ele herdaria aquele relógio.

- [20-11-2020]